Relato de Bulimia Nervosa

Primeiro relato de uma paciente com Bulimia Nervosa para a campanha do Mês de Conscientização dos Transtornos Alimentares da Clínica Rezende.

Relato de Bulimia Nervosa, Paciente D, do sexo feminino, 24 anos.

Desde os meus 12 anos minha busca por endocrinologistas, nutrólgos e nutricionistas sempre foi com o objetivo de emagrecer. Usei medicamentos com tal objetivo desde essa idade e sempre a partir do “incentivo” e de receitas desses profissionais. Nenhum deles nunca me questionou sobre práticas relacionadas a transtorno alimentar. Eu sabia que minha relação com minha alimentação e com o meu corpo não era saudável, mas achava que era esse o processo que eu deveria me submeter para alcançar o corpo sonhado.

ALIMENTAÇÃO DE FORMA CONSCIENTE

Busquei ajuda da nutrição consciente com a Lili primeiramente em 2018, mas porque enfrentava mais uma das minhas oscilações de peso e queria emagrecer. Na consulta, pela primeira vez me foi questionado se eu já tive algum transtorno alimentar. Eu respondi que não, mas descrevi todas as minhas práticas (e que, sim, caracterizavam um transtorno alimentar). Abandonei o tratamento por questões pessoais e só retornei no início de 2020, após ter passado por um semestre esgotante em 2019, no qual eu tive várias sequências de compulsão e purgação em um espaço de tempo muito curto. O estalo de verdade veio quando me vi, literalmente, devorando alimentos em quantidades absurdas e que não faziam sentido pra mim. Na maioria das vezes nem era porque eu gostava, mas sim por ser o que estava disponível.

NUTRIÇÃO HUMANIZADA

A princípio me deparei com um método de tratamento assustador, rs. Nada era proibido, mas tudo era equilibrado. Para quem lida com esses transtornos o medo do descontrole é gigantesco, então, perceber que eu sou capaz comer o que eu gosto de forma consciente foi um grande incentivo para persistir no tratamento. O apoio profissional e as etapas do processo que incluíam a observação de emoções e a consequência disso na minha alimentação também foram motivadoras.

Se hoje eu pudesse compartilhar algo para quem também passa por isso, eu diria que realmente é muito difícil aceitar que precisamos de ajuda e, apesar de acharmos que somos capazes de lidar com isso sozinhos, não somos, pois a gente acha que “é só dessa vez”, “é por pouco tempo essa dieta hipocalórica e sem nutrientes”, “só até perder 5kg”, “só esse jejum”, “só 1 mês de remédio” e não é! O ciclo se reinicia. Certos comportamentos só descobrimos que são transtornos com o tempo e a partir de um profissional, mas a maioria deles nós sabemos quais são e ao primeiro sinal deles é importante buscar ajuda.

Meu conselho é encontrar um profissional humanizado e que, de preferência, trabalhe com alimentação consciente que seja capaz de resinificar a relação com a alimentação e com o próprio corpo. Além disso, é muito importante confiar no processo e ser paciente com seu corpo e com o seu tempo. É comum recaídas nos comportamentos e que ocorram variações de peso, mas ao persistir no tratamento tudo se equilibra, juro!

DESAFIOS

Foram muitos desafios, rs, mas o que eu gostaria de registrar é o de aceitar que posso acreditar no meu corpo quando ele diz que está com fome, satisfeito ou com vontade de comer chocolate. Ceder as vontades não altera repentinamente meu peso ou minha forma. Parece besteira, mas depois de tanto tempo moldada a dietas rígidas, a comer de 3 em 3 horas, a enganar a vontade de doce com fruta rsrs e a contar calorias é difícil confiar no instinto.

Outra questão marcante pra mim foi o próprio fato de buscar ajuda. No começo desse ano eu estava extremamente insatisfeita com o meu corpo e pronta para encarar novamente os remédios pra emagrecer e todo o ciclo que recomeça a partir disso. Lembro de ter entrado no consultório da Lili e uma das primeiras coisas que eu disse foi “estou aqui num ato de sanidade e consciência muito doido e na verdade eu queria uma fórmula rápida kkkkk mas estou aqui”. Ter paciência e confiar no tratamento foi desafiador, de verdade.

Dessa vez eu busquei ajuda com o objetivo maior de estar mais consciente sobre minha alimentação e melhorar minha relação com o meu corpo, pois sabia que tinham coisas muito erradas.

Considero todo o processo uma vitória. Ter sido honesta sobre recaídas, ter realizado a proposta até o final, ter criado uma rotina de atividade física que eu goste, para mim, já foram questões grandiosas.

Além disso, considero um sucesso a forma como encaro minha relação com a comida hoje e também a resposta do meu corpo. De pouco a pouco tenho emagrecido aproximadamente 1 kg por mês como uma consequência de todo o processo, mas não como o foco central da minha vida e da minha alimentação.

Relato de um Transtorno de Compulsão Alimentar

Primeiro relato de uma paciente com TCAP para a campanha do Mês de Conscientização dos Transtornos Alimentares da Clínica Rezende.

Relato de um Transtorno de Compulsão Alimentar, Paciente F, do sexo feminino, 44 anos.

Eu já tinha o TCAP (Transtorno de Compulsão Alimentar Periódico) há muitos anos, com episódios diários e bem descontrolados. Comia todos os dias, por um período de aproximadamente 2 horas, sempre à noite, 4 pães de sal recheados de presunto e muçarela, pacotes de biscoito recheado e 3 ou 4 barras de chocolate de 200g. Diariamente, sem parar, só parava quando já não conseguia mais, de forma totalmente descontrolada. Mas não sabia que era uma patologia, que aquilo era um distúrbio… Para mim era uma compensação da rotina extremamente intensa de desgaste energético pela minha antiga atuação profissional (eu era professora de educação física, com maior atuação em atividades coletivas nas academias de ginástica). Me alimentava pouco durante o dia para o dispêndio energético que tinha. Só comecei a me dar conta de que havia algo realmente errado quando parei de dar aulas por mudar de profissão e tudo começou a degringolar.

Comia cada vez mais, descontroladamente, e sempre mantendo aquele ritual. A vergonha de mim mesma, tanto por comer daquela forma e pelas mudanças no meu corpo, foi tomando proporções gigantes, sem tamanho mesmo, e não queria mais me expor, ver ninguém, que ninguém me visse, uma tristeza enorme me consumia, e tudo foi só crescendo. Não saía mais, não parava de chorar, perdi contato até com a família. Não conseguia me controlar, em nenhum momento, e essa sensação de impotência diante de mim mesma, da minha mente, me fazia acreditar que nada fazia mais sentido, que não havia saída, que minha vida seria aquela dali para a frente. E diante disso, não havia mais razão para viver, já que tudo que eu amava fazer e ser eu não podia mais (a gente acha mesmo que não pode mais…).  Cheguei a esse ponto para resolver procurar ajuda. E isso só aconteceu mesmo por desespero da minha mãe, que não aceitava ver a filha se definhando.

Primeiro procurei uma psicóloga. Fui a 4. Por orientação, desde a primeira psicóloga, procurei um psiquiatra, também foram 4. E a cada tentativa, os anos se passavam e eu ia desanimando cada vez mais. Me sentia cada vez mais impotente, triste, e a depressão veio muito forte, muito mesmo.

Mas foi essencial insistir. Porque esses profissionais conseguem mostrar para a gente outras direções. Ficamos tão doentes, vivendo tanto só o nosso problema, que só conseguimos enxergar isso! Só vemos o problema! O (a) psicólogo (a) abre seus horizontes e você começa a conseguir enxergar alguma possibilidade… O remédio do psiquiatra lhe auxilia a sair do buraco, é uma bengala, infelizmente necessária. Sozinhos não temos força para enfrentar.

Tentei a nutricionista no começo, mas não foi legal… a gente não tem força para mudanças, abrir mão daquilo que nos dá tanto prazer, que a gente sente que não consegue viver sem… Só depois de estar mais forte, consciente, é que dá para começar uma reeducação alimentar. Antes disso me gerou frustração, agonia por não conseguir, e sensação de incapacidade.

É tão difícil explicar de forma que as pessoas entendam essa relação com a comida… É tão doentia essa relação! Ao mesmo tempo em que aquela comida, aquele horário, aquele tempo, aquele momento, é onde tenho o maior prazer na minha vida, que não troco por nada, que sou capaz de brigar, que passo por cima de qualquer coisa ou pessoa, é também meu maior pesadelo, minha maior tristeza, onde meu sentimento de culpa não cabe dentro de mim, que faz com que eu acredite que não sirvo mais para essa vida… Muito doentio mesmo. E para cuidar disso, tratar, não é de uma hora para outra! Não mesmo! Digo, inclusive, que é para o resto da vida!

Hoje, depois de anos em tratamento, de muito ouvir e aprender, sei do tamanho do meu “oponente”… Respeito demais, e não passo um dia sem ter medo de recair. É uma luta para o resto da vida. É como o tratamento do alcoólatra, do dependente químico. Um dia após o outro mesmo. E se hoje não deu, depois do tratamento, sei que o amanhã eu posso fazer diferente! E assim vamos seguindo!

A sensação de cair é horrível. Horrível. Mas a gente conseguir levantar, dar pequenos passos, fazer nossos enfrentamentos, ter pequenas vitórias (as mais simples e comuns aos olhos das outras pessoas), olha, isso não tem preço!

Me encontro ainda em evolução e em consciente eterno enfrentamento, porque sei do tamanho e poder desse distúrbio… Não dá para brincar. Controlo muito mais hoje! De segunda a sexta não como NADA de alimentos recreativos, nada! Me provo realmente… Certo? Não… longe de ser meu ideal! O que mais queria (quero) é levar de boa, de forma equilibrada, essa rotina alimentar, assim como aprendi com as meninas do Alimente. Alimentação consciente! Mas meu pânico em voltar a fazer o que fazia antes ao colocar um pedaço de chocolate na boca… não me permite ainda tentar. Aos domingos a compulsão impera. Descontroladamente. E não é por conta da restrição da semana. Eu tinha “domingos” diariamente. Então para mim, para minha realidade, um domingo por semana por enquanto é mais uma vitória.

Para aquelas pessoas que também passam por situação parecida, digo que procure ajuda o quanto antes… quanto antes melhor! Tente não se preocupar com o corpo, em perder peso no começo… porque isso é consequência. O mais importante é tentar diminuir, o quanto puder, os episódios compulsivos… passar de sete dias por semana para seis por semana é ótimo! De seis para cinco, lindo! E assim vai indo! Tenha fé, faça alguma atividade física. É o tripé. Ajuda profissional, ter uma religião (acreditar em algo) e liberação de endorfina, serotonina. Vibre, muito, com pequenas vitórias! Não se culpe, por NADA! Não diminua ou deixe que diminuam o seu problema. Cada um tem um ou vários, esse é o seu, e você não está dando conta de resolver sozinha! E viver, estar aqui, é uma dádiva! Somos abençoados! Temos tanto a agradecer… honre essa dádiva! Lute, lute muito, porque vale a pena demais…