2024, o ano de fazer as pazes com a comida

Nutricionista dá dicas para manter uma relação saudável e prazerosa com a alimentação.

* Texto por Helen Lima, em entrevista ao Felipe Barreto, nutricionista.

Nutricionista dá dicas para manter uma relação saudável e prazerosa com a alimentação.

Entra ano, sai ano e as promessas se repetem: “agora eu vou emagrecer”, “não vou comer tantos doces”, “adeus, fast food”. Só que na prática, o que geralmente acontece é diferente. Tem início um ciclo marcado por muitas restrições e poucas alegrias, com grandes chances de erro. Daí surgem a culpa, a ansiedade, a vergonha…e a promessa de tentar mais uma vez em uma próxima temporada.

Se você se identificou com essa história, não se sinta só. Um estudo feito em 2023 pela YouGov, multinacional especializada em pesquisa de mercado, aponta que 48% dos brasileiros estão tentando perder peso. A busca por uma vida saudável e um corpo magro é comum a muitas pessoas, mas por que será que apenas uma pequena parcela consegue atingir os resultados? “Sei que pode parecer estranho, mas, fazer dietas, na grande maioria das vezes, acaba não funcionando no longo prazo”, afirma Felipe Barreto, Nutricionista da Clínica Rezende. Ele explica que a lógica tradicional da dieta, que consiste em permitir e proibir alimentos, atrapalha a relação do indivíduo com a comida, aumentando o medo e desejo pelos pratos “proibidos”, podendo levar a um consumo disfuncional. “Quem nunca ficou com muita vontade de comer um doce após receber a orientação de não poder consumir doces?” questiona.

Por isso, a primeira dica para quem quer estabelecer uma relação harmoniosa com a alimentação é deixar de lado as dietas restritivas, em que o objetivo é perder peso a qualquer custo. “A perda de peso inicial é esperada, mas o que acontece quando você não consegue continuar na dieta? A tendência é recuperar o peso perdido e, muitas vezes, até ganhar mais do que perdeu”.

Felipe Barreto destaca que parar de vilanizar certos alimentos é essencial para fazer as pazes com a comida. “A comida exerce um papel social, emocional e cultural, portanto, não podemos resumi-la a carboidratos e proteínas. Quando você vai visitar a sua avó e ela faz um bolo de chocolate para te receber, ela não está fazendo um ‘carbo’ e sim demonstrando o carinho que sente por você através da comida”.

Alcançando o equilíbrio na alimentação

Fazer as pazes com a comida não é tarefa fácil, mas o tratamento com um nutricionista é um excelente começo para transformar essa relação. De acordo com Felipe, o acompanhamento traz ferramentas para que o paciente desenvolva um olhar mais neutro para o alimento, fazendo com que ele saia do pedestal criado pela proibição e desejo.

As orientações de um profissional da área também ajudam as pessoas a identificarem os sinais de saciedade, compreendendo a hora certa de começar e parar de comer. Além de um olhar para dentro, Felipe Barreto reforça a importância de identificar no ambiente externo quais são os gatilhos que levam o indivíduo a comer de forma exagerada. “Alcançar o equilíbrio na alimentação é entender que todos os alimentos podem fazer parte da sua vida, cada um exercendo a sua função (nutrição, social, prazer, entre outras)”.

Em uma relação marcada pela mistura entre argumentos racionais e sentimentais, o suporte psicológico se apresenta como uma estratégia complementar ao trabalho desenvolvido pelo profissional de nutrição. “Enquanto o nutricionista trabalha com aconselhamento e orientações sobre escolhas alimentares, o psicólogo aborda os aspectos emocionais, mentais e comportamentais associados à alimentação. É um trabalho em equipe que funciona muito bem”.

Que tal fazer diferente neste ano novo? Contar com profissionais especializados para te ajudar nesse processo é um ótimo primeiro passo!

Leia também: O que é comportamento alimentar?

Quais são as consequências psicológicas do alcoolismo?

O consumo excessivo de bebidas alcoólicas pode alterar as funções cognitivas do usuário, comprometer relações sociais e afetar a saúde mental de seus familiares e amigos.

* Texto por Helen Lima, em entrevista à Amanda Oliveira, psicóloga.

Quais são as consequências psicológicas do alcoolismo?

O consumo excessivo de bebidas alcoólicas pode alterar as funções cognitivas do usuário, comprometer relações sociais e afetar a saúde mental de seus familiares e amigos.

Danos ao fígado, aumento do risco de cânceres e doenças cardiovasculares, perigo de lesões, episódios de violência e acidentes de trânsito. Esses são alguns dos problemas de saúde associados ao alcoolismo, condição em que a pessoa estabelece uma relação de dependência com a bebida alcoólica. Além dos danos à saúde física, o alcoolismo tem o potencial de comprometer a saúde mental do indivíduo, impactando diversas áreas da sua vida, desde a dinâmica familiar às atividades do trabalho. Segundo Amanda Oliveira, Psicóloga da Clínica Rezende, esses setores estão intimamente relacionados, gerando um efeito dominó que afeta todo o aspecto emocional do paciente. “No caso de dependência, o ato de beber se torna o afazer central na vida do indivíduo, logo, todos os comportamentos são direcionados para o consumo. Os gastos financeiros e os lugares de interesse giram em torno da substância, assim como a proximidade de pessoas que apresentam padrão semelhante de consumo”.

A especialista explica que o uso abusivo do álcool está associado a modificações cognitivas, como alteração da capacidade de memória, maior impulsividade e dificuldades de atenção e aprendizagem. Os vínculos sociais e ocupacionais do usuário também são fragilizados, podendo levar a conflitos familiares, falta de confiança entre amigos e dificuldade para se manter em um emprego. Esses efeitos contribuem para que a pessoa tenha uma visão negativa de si. “Percepções como ‘eu não consigo fazer nada útil’, ‘não tenho valor’ e ‘sou um zero à esquerda’ podem aparecer acompanhadas de emoções desconfortáveis, como vergonha, medo e tristeza, intensificando o isolamento social”, destaca.

Os efeitos emocionais não se restringem a quem sofre com a dependência

Além de evidenciar os prejuízos que o alcoolismo pode trazer à saúde mental dos usuários, a psicóloga reforça que o consumo de álcool é uma questão de saúde pública, trazendo consequências para toda a sociedade. Quem faz parte da rede de apoio de um indivíduo com dependência tem a possibilidade ainda maior de se expor a esses riscos. “Essas pessoas podem sentir e/ou observar negligências na manutenção da relação, o que pode impactar sua autopercepção, principalmente em casos em que o indivíduo com dependência é uma figura parental. Elas ainda têm o maior potencial de passar por vivências traumáticas e situações ansiogênicas, como antecipar problemas em festas de final de ano, por exemplo”.

Amanda Oliveira pontua que amigos e familiares também podem internalizar que são os responsáveis pela dependência do usuário, assumindo para si a capacidade de fazer o outro mudar de comportamento. “Isso é um prato cheio para frustração, sensação de incapacidade e culpa”, afirma. Compreender a nossa limitação diante das escolhas e atitudes do outro é uma das principais orientações que a profissional oferece às pessoas que integram as redes de apoio. Além disso, ela lista outras iniciativas para quem quer ajudar um ente querido, mas não sabe como:

  • Em primeiro lugar, cuide de si e da sua própria saúde;
  • Ofereça apoio e acolhimento ao usuário com uma escuta ativa e, se possível, sem julgamentos;
  • Evite confrontos diretos com a pessoa, principalmente em momentos de crise;
  • Incentive o tratamento com profissionais especializados.

Não existe consumo seguro de álcool

 Apesar de vivermos em uma sociedade que naturaliza e estimula o consumo de bebidas alcoólicas, a Organização Mundial da Saúde é categórica ao declarar que não existe limite seguro para o uso da substância. Essa ambivalência pode gerar certa confusão entre as pessoas em relação ao comportamento de consumo. A psicóloga destaca que devemos ficar atentos aos prejuízos que esse hábito pode gerar, como gastos indevidos, relações sexuais sem proteção, brigas, acidentes e lesões. Caso você tenha dificuldade em alterar seu padrão de consumo, perceba que está aumentando a quantidade, realize o consumo em situações inoportunas, beba por mais tempo que o planejado e/ou reduza atividades importantes em função do álcool, é recomendado que busque ajuda.

Leia também: Quando o consumo de álcool se torna dependência?

A luta contra a dependência de álcool é complexa, repleta de estigmas e preconceitos que podem prejudicar a autoestima e a recuperação dos pacientes. Amanda Oliveira levanta uma reflexão oportuna sobre o tema: “Por que bebemos e usamos drogas? Qual é a finalidade? Falamos sobre os impactos da dependência, mas, nessa via de mão dupla, a perda de um emprego, conflitos familiares e a sensação de solidão também podem estimular o uso”. Contar com acompanhamento psicológico é importante para lidar com emoções e eventos como esses, de forma que eles não se tornem a causa, nem a consequência, de problemas ainda mais graves.

Mês do Idoso: tire suas dúvidas sobre o Alzheimer

A doença de Alzheimer tem caráter progressivo, ou seja, as alterações de memória devem piorar de forma contínua ao longo do tempo. As queixas também devem trazer limitações funcionais para o paciente, como a dificuldade para ir à padaria comprar o café da manhã, sacar dinheiro no caixa eletrônico ou cuidar das tarefas domésticas, por exemplo.

* Texto por Helen Lima, em entrevista ao Dr. Danilo Jorge da Silva, neurologista.

Mês do Idoso: tire suas dúvidas sobre o Alzheimer

Em outubro é comemorado o Dia Nacional do Idoso (01/10), data em que as autoridades políticas, entidades sociais e instituições de saúde chamam a atenção para estratégias em prol do envelhecimento saudável. O número de pessoas acima dos 60 anos está crescendo no Brasil e, segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nosso país terá mais idosos do que jovens em 2060. A terceira idade é a fase em que as pessoas celebram a experiência de vida e o descanso depois de longos anos dedicados ao trabalho, mas também é marcada pelo alto risco de problemas de saúde e comprometimento das atividades cotidianas. O Alzheimer, por exemplo, é a forma mais comum de demência que se conhece, levando a um processo neurodegenerativo que não tem cura e ocasiona limitações funcionais nos pacientes, principalmente após os 65 anos.

Conversamos com o Dr. Danilo Jorge da Silva, Neurologista da Clínica Rezende, para tirar as principais dúvidas sobre a doença e destacar a importância do diagnóstico precoce na qualidade de vida das pessoas que vivem com essa enfermidade. Confira a seguir:

Atenção aos sinais de alerta

O Dr. Danilo explica que todos os indivíduos, independente da idade, estão sujeitos a eventos que causam o comprometimento da memória, como a má qualidade do sono, hábitos de vida inadequados e episódios depressivos. O que diferencia esses casos da demência, como o Alzheimer, são critérios que devem ser avaliados cautelosamente por um profissional especializado.

“A doença de Alzheimer tem caráter progressivo, ou seja, as alterações de memória devem piorar de forma contínua ao longo do tempo. As queixas também devem trazer limitações funcionais para o paciente, como a dificuldade para ir à padaria comprar o café da manhã, sacar dinheiro no caixa eletrônico ou cuidar das tarefas domésticas, por exemplo. Além disso, nós não podemos falar em Alzheimer quando o comprometimento ocorre em apenas uma modalidade cognitiva, como o recordatório de nomes, fatos e eventos”, destaca. Vale ressaltar que essa enfermidade também impacta a linguagem e percepção de mundo, provocando mudanças no comportamento, humor e personalidade dos pacientes.

O especialista também chama atenção para uma particularidade na herança genética da doença, o que chama de “uma exceção incomum”: “o fato de se ter um familiar com Alzheimer, via de regra, não aumenta seu risco de manifestá-la”.

Prevenção e diagnóstico precoce

Atualmente, não há nenhum tipo de tratamento capaz de prevenir ou retardar o processo neurodegenerativo do Alzheimer, mas existem estratégias para estimular o desenvolvimento cerebral que podem ajudar a abrandar os sintomas da doença, caso ela se manifeste. “Atividades como caça-palavras, palavras cruzadas, leitura e trabalhos manuais como crochê e tricô são considerados saudáveis para o cérebro e auxiliam na manutenção de uma boa reserva cognitiva”, recomenda o Neurologista.

O Dr. Danilo também reforça o valor da detecção precoce da doença, mesmo que ainda não seja possível curá-la. “O diagnóstico precoce é importante para que se tomem medidas que impeçam que causas concorrentes (doenças evitáveis, hábitos e rotinas inadequados) possam piorar os sintomas cognitivos. Além disso, há tratamentos que visam melhorar essas manifestações e garantir uma melhor qualidade de vida ao paciente”.

Esperança para o futuro

Cerca de 100 mil novos casos da Doença de Alzheimer são diagnosticados por ano no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Em todo o mundo, o número chega a 50 milhões de pessoas e, de acordo com estimativas da Alzheimer’s Disease International, essa marca poderá ultrapassar os 130 milhões em 2050, devido ao envelhecimento da população. As estatísticas alarmantes caracterizam, nas palavras do ministério, “uma crise global de saúde que deve ser enfrentada”.

A ciência vem se empenhando na busca por tratamentos mais eficientes para a doença. O Dr. Danilo Jorge da Silva afirma que estamos vivendo uma “era dourada” para a pesquisa relacionada a enfermidades antes tidas como intratáveis ou incuráveis. “Terapias genéticas e imunobiológicas de ponta estão se tornando uma realidade cada vez mais acessível e próxima da população em geral”; e finaliza com uma mensagem otimista: “a perspectiva de novos tratamentos para o Alzheimer é bastante sólida a médio prazo”.

O medo de ter medo

Na tentativa de encontrar o alívio as pessoas se engajam em situações que as anestesiam daquele desconforto

* Por Laís Helena Pereira

O medo de ter medo

Não é incomum receber pacientes no consultório que relatam uma necessidade absurda de alívio para aquilo que é desconfortável, seja um sentimento, um pensamento ou uma sensação física. Nessa tentativa de encontrar o alívio as pessoas se engajam em situações que as anestesiam daquele desconforto, que os afastam, que os distraiam e até mesmo buscam se ocupar, em demasia, para não entrar em contato com o que incomoda. Associado a essa situação também é muito comum que essas pessoas tenham a crença de que pensar sobre o assunto e entrar em contato com o desconforto vai intensificar o que já está ruim.

É possível compreender de onde vem esse funcionamento… a seleção natural nos fez atentos aquilo que é nocivo, que coloca em risco nossa segurança e sobrevivência. Por exemplo, quando uma comida cheira mal, não comemos, pois aquele cheiro indica que ela está estragada; quando um bicho venenoso se aproxima, nos distanciamos dele para nos proteger. Entretanto, generalizar essa postura para conteúdos internos não alcança o mesmo resultado, de proteção e sobrevivência, aliás, tentativas de evitar pensamentos e emoções desagradáveis podem às vezes nos fazer vivenciá-los mais frequente ou intensamente.

Quando nos apoiamos na realidade, somos forçados a admitir que a vida envolve certo grau de sofrimento e dor. Portanto, a postura de evitar e ignorar o desconforto acaba nos conduzindo a uma vida com pouco significado e propósito. Dessa forma, é preciso trabalhar para adotar uma postura de abertura e aceitação daquilo que é desafiador.

Essa pauta é muito comum nas sessões de terapia e por isso pedi a uma paciente querida para relatar sua experiência, veja só como foi o processo dela.

“No auge dos meus 18 anos, minha vontade era poder apertar o botão “acelerar, do controle remoto da vida”, para poder chegar aos 60 anos, ser uma senhorinha que acorda cedo e que apenas se preocupa em lavar sua calçada pela manhã. Pois só assim não me preocuparia com nada, não precisaria enfrentar tudo aquilo que me causava desconforto: a rotina do dia a dia, o trabalho, os problemas… tudo já teria passado.

Alguns dias em que tudo era planejado nos mínimos detalhes davam certo, mas outros, em que algo acontecia, uma briga com o namorado, uma prova que estava chegando, um processo seletivo, ou simplesmente nada, já era o suficiente para a angústia, o medo e “ELA”, a ansiedade, chegarem. E com “ELA” um turbilhão de pensamentos ruins, desastrosos e emoções negativas!

“_ Será que quando eu for apresentar aquele trabalho na faculdade, vou ficar tão nervosa que vai me dar branco, ou pior, vou vomitar no meio da sala?”

“_ E se eu terminar meu namoro e nunca mais encontrar ninguém? Vou ficar sozinha, quero casar e ter filhos antes dos 30. Meu Deus, o tempo está passando!”

“_ Será que no dia do meu casamento vou ficar tão nervosa que todos vão ver que estou tremendo? Todos ficam felizes no dia do casamento, ninguém fica com cara de angustiado!”

“_E se eu não passar no vestibular? Minha vida vai ter acabado. Vou ficar atrasada para sempre!”

Pronto, o looping infinito de pensamento – sentimento ruim começou, a ansiedade – carinhosamente a chamo de “E SE? e “SERÁ?”- tomou conta de mais um dia e mais um e mais um….. porque todos os dias acontecem novas coisas, novas situações, novos desafios, novas alegrias, novos problemas…

A “E SE?” e “SERÁ?” é tão convincente e envolvente que consegue até transformar coisas boas, como um novo emprego, um novo relacionamento, uma festa…. em algo ruim. E ter emoções ruins é horrível, causa medo, é assustador e por isso muitas vezes eu tentava ignorar tudo, tentava não pensar pois tinha medo de me sentir pior se eu desse “ouvidos” para esses pensamentos e emoções.

“_Você já teve medo de sentir medo?”

Parece algo bem estranho, mas eu já, várias vezes. Tive medo de chegar em alguma situação em que precisasse fazer algo, ou resolver algo e por medo, não conseguisse fazer. Esse é o medo de ter medo :

– “E se eu estiver me divertido com minhas amigas, e do nada, vier aquele pensamento ruim e começar a me dar medo? Vai estragar meu passeio, vou ficar nervosa e passar mal. Agora estou com medo disso acontecer.”

_ Essa noite precisarei dormir sozinha. Como vou fazer? Não quero dormir sozinha, porque posso acordar no meio da noite e ouvir um estalo da geladeira e ficar com medo.”

Diante desse medo muitas vezes deixei de fazer coisas, de estar com as amigas e até perdi o sono, com medo do medo.

Muitos anos se passaram em minha vida e eu não sabia administrar ou mesmo entender todas essas emoções, em especial a ansiedade, o medo e a angústia, nem ao menos denominá-las. Elas aconteciam e a vida ia passando… vai ver tinha que ser assim, cada um tem seu jeito e esse é o meu. E sempre pensava, não vou ter paz nunca?!

Até o momento em que comecei a fazer terapia. E como pode isso, uma cortina se abriu. Comecei a entender os “porquês” dessas emoções, sentimentos e pensamentos. E as coisas começaram a fazer sentido, parecendo até serem óbvias. Foi aí que descobri que o pensamento ansioso começa sempre com a pergunta “E SE? e SERÁ?”.

Um dos exercícios que minha psicóloga me ensinou, que mais me ajudou foi buscar o pensamento “fonte”. E é algo surpreendentemente simples, mas a “E SE?  e SERÁ?” deixa nossa cabeça tão confusa, que causa um nó e então você só está com aquele aperto no coração e a cabeça doendo de tanto pensar e já nem sabe mais o porquê daquilo tudo.

Bem, o pensamento fonte é assim: algo aconteceu (pode ser bom ou ruim), mas disparou sua ansiedade e com ela a palpitação no coração. Estou no meio da tarde, paralisada, sentindo meu coração disparado e um mal estar terrível.

“-PARA TUDO!!!!”

– Em que estou pensando? Ex. Vai dar tudo errado com a minha mudança de casa, chegará tudo quebrado e destruído.

– Qual pensamento fonte, o que me fez pensar/constatar isso? Já fiz uma mudança uma vez que deu errado. Também ouvi e li na internet, o relato de várias pessoas dizendo que suas coisas chegaram quebradas ou simplesmente não chegaram!

Ok! Já consegui identificar o que está causando essa palpitação, o medo da mudança dar errado, pois penso que há grandes chances disso acontecer.

Bem, agora o mais importante, o que posso fazer a respeito? Esse pensamento tem fundamento?

“_ A resposta é sim!  Meu pensamento tem fundamento, quero que dê tudo certo com a minha mudança. Diante disso posso fazer algumas coisas mas não controlar tudo. Posso procurar a melhor transportadora, ver recomendações na internet, conversar com pessoas que também se mudaram e tentar escolher a melhor empresa, embrulhar tudo bem direitinho e… bem… paro por ai. Após isso, não está mais em minhas mãos, o que vai acontecer dentro do caminhão de transporte não depende mais de mim. Não posso controlar tudo, não há como controlar tudo! E ISSO É NORMAL!”

Isso é libertador! Entender qual emoção está sentindo, de onde ela veio, o porquê e o que posso fazer com isso, é algo sensacional. Pois como disse, sempre me perguntei, quando terei PAZ, porque todos os dias acontece alguma coisa. E hoje descobri a resposta:

A PAZ está na forma como encaro minhas emoções e tudo que acontece ao meu redor. Porque coisas ruins e coisas boas, SEMPRE vão acontecer e sempre vão gerar emoções em mim e em qualquer pessoa. Mas a forma como às encaro, é o que me faz viver de uma forma leve. Entendi que as mesmas emoções que me causavam desconforto, são as que me impulsionam a viver, me desafiam e não me assustam mais. Elas fazem parte de mim e hoje sei o que fazer com elas.

Me faz viver o dia a dia entendendo o que estou sentindo, pensando… queria ter descoberto isso aos meus 18 anos, mas só descobri aos 30 após iniciar a terapia. Mas a vida é isso, um eterno aprendizado, a gente paga pra ver se dará certo, aposta no imprevisível, tenta controlar o incontrolável, ri, chora, comemora, sente medo, dor, angústia… isso é viver.

Ainda aprendo muito em cada sessão de terapia, me descubro, entendo os porquês, crio novos porquês também. E hoje, quero viver cada dia, nada de sair acelerando o “controle remoto da vida”, ainda chegarei aos 60, 70, 90 anos… não sei bem o que farei quando chegar lá, mas com certeza minha preocupação não será em lavar calçada, nem sei se terei preocupação, mas sei que com certeza já terei aprendido muito e vivido muito a cada dia, compreendendo e encarando minhas emoções.”

Percebam como a abertura ao desconforto abre espaço para o entendimento, para o significado daquela emoção e daquele pensamento para a sua vida e como isso contribui para uma vida que vale a pena, mesmo com a presença do sofrimento.

REFERÊNCIA:

LEAHY R. L., TIRCH D. & NAPOLITANO L. A. (2013). Regulação emocional em psicoterapia – um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed.

Entre tantos, por que você?

Precisamos celebrar o amor! Estávamos em um contexto de recomendações de isolamento social e nos debruçávamos para compreender o impacto disso sobre nossas relações.

* Por Diana Lopes

Entre tantos, por que você?

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”

Vinicius de Moraes

Em um outro texto do nosso blog, há um ano atrás, propus um convite: Precisamos celebrar o amor! Estávamos em um contexto de recomendações de isolamento social e nos debruçávamos para compreender o impacto disso sobre nossas relações. Havíamos sido expostos a descobrir novas maneiras de amar e de se sentir amado. Agora a situação pandêmica está diferente, ainda que tenhamos que nos cuidar (recomendo o uso de máscara), estamos nos encontrando mais, nos reunindo para dançar, ir a shows, bater papo nos bares, em festas e até nos abrir para mais encontros afetivos-amorosos. E como nos tornamos uma pessoa especial para a outra? E como a outra pessoa se torna especial para nós?

Na verdade, não há qualquer resposta precisa sobre isto. Mas não é fascinante pensar sobre isto? Fico imaginando, dois estranhos que são de origens interpessoais bem diferentes, de diferentes contextos, de diferentes gerações, que se comunicam de maneira diferente, muitas vezes de diferentes culturas, de personalidades diferentes, que se relacionam de maneira diferentes, com experiência pessoal mais ou menos organizada, se encontram e os olhos brilham, sentem as famosas “borboletas no estômago”… Pronto! Aconteceu! Dois estranhos reconhecem a singularidade do outro.

Estudos sobre o apego em adultos mostram que este encontro e o reconhecimento do outro não ocorrem completamente ao acaso. Existe uma organização ideoafetiva que reconhece algumas características do outro como significativas. Ih, desculpe se acabei com a magia do encontro. Tenho esta tendência (ou mau costume) de buscar explicações em estudos e teorias para os fenômenos que me despertam interesse e curiosidade. Mas nem tudo está perdido, posso garantir que compreender isto não afetará o encantamento de sua experiência ao encontrar sua pessoa especial.

Apaixonar-se envolve diferentes áreas, da atração física até a ternura amorosa que se desenvolve pouco a pouco, e implica que os membros do casal começam a se remodelar para se manterem juntos. Então, os dois estranhos, com histórias bem diferentes, passam a se articular e reinterpretam suas memórias para reconstruir um presente, dão um novo sentido ao passado e se projetam para realizar juntos um futuro. Podemos dizer que este é o processo de recíproca intimidade, esta experiência resulta em coordenação afetiva, emocional, influencia os ritmos biológicos e a alta intensidade desses sentimentos nos deixa no estado de apaixonados. Aos poucos, identidades pessoais distintas passam a se traduzir no relacionamento. Esta “negociação” de identidades pessoais que ocorre no início e no final dos relacionamentos é a grande responsável pela experiência de instabilidade (inseguranças, ansiedades, angústias). Passado este período inicial, essa instabilidade vai se reduzindo e em seu lugar aparece a experiência de exclusividade e integração, que expressa a nossa tradução de identidade na relação. Reordenamos nosso “sentido de si” (ou o “eu”), integrando o outro como unidade. Durante todo o relacionamento nos empenhamos em manter este sentido de pertencimento e exclusividade. Para o sucesso do relacionamento é necessária uma integração mútua entre as identidades.

No entanto, em algum momento isto pode deixar de ser possível para um dos membros do casal…

A possibilidade de separação passa a ser uma solução uma vez que o sentido de si não pode ser experenciado mais com nosso parceiro afetivo.  Tentativas de produzirmos uma mudança como casal podem funcionar, ou podem representar uma medida radical (e insatisfatória), e inviabilizar cada vez mais a tradução de nosso sentido pessoal no relacionamento, ou impedir a tradução do outro. Nessa altura do relacionamento, alternamos entre a experiência de aceitação, como forma de resgatar a relação, às trocas de hostilidades, até admitirmos dificuldades em dar continuidade nas histórias e projetos comuns, e então se instala a dissolução da reciprocidade.

Começa a surgir a necessidade de uma nova história (experiência) para o “eu” e para o outro. Compreender o outro em sua dimensão ontológica nos coloca em confronto com a nossa interioridade. Primeiro tentamos dar sentido buscando explicações no outro, sobre o qual não exercemos qualquer tipo de controle ou acesso. Deparamo-nos com uma impossibilidade de reconhecimento em cada revelação do outro.

Diante da exigência de uma nova articulação sobre o outro, passamos a questionar a nós mesmos, a maneira como nos organizamos, nosso modo de viver e sentir. Uma auto-observação atenta pode nos tornar capazes de acessar aquilo que é possível para entrar em nova fase. Passamos a compreender nosso modo de ver e aceitar que o outro olha e percebe de forma diferente.

Uma via de superação dessas rupturas afetivas é desenvolvermos uma abertura para produzirmos uma versão de nós socialmente, com amigos, família, novos parceiros, novos amigos, etc. É o recomeço, ou pelo menos a possibilidade dele, para a construção de um sentido de autonomia interna. Podemos assumir uma nova perspectiva de nossa identidade pessoal.

Após a experiência de um relacionamento afetivo, ganhamos conhecimento e experiência sobre nós mesmos e a possibilidade de integrar mudanças em nosso sentido pessoal. Aos poucos vamos ganhando uma versão ainda mais encantadora! E isto também nos faz buscar aquela pessoa entre tantas outras, que desperta aquela sensação gostosa de “borboletas no estômago”!

Sugestão de leitura:

Tênis x Frescobol, Rubem Alves

A Pipa e a Flor, Rubem Alves

Músicas:

Travessia, Milton Nascimento

Samba de ir embora só, Teatro Mágico

Bibliografia de referência:

BALBI, J. (2015). “Adolescence, Order through Fluctuations and Psychopathology. A PostRationalist Conception of Mental Disorders and Their Treatment on the Grounds of Chaos Theory”; Chaos and Complexity Letters, Volume 9, Number 2, Nuova Science Publishers, New York.

BALBI, J. (2011). Metarappresentazione affettiva tacita e senso di identità personale. Un approccio alla comprensione delle gravi patologie psichiatriche dell’adolescenza e giovinezza, Rivista di psichiatría. Vol.46, N 5-6.

GUIDANO, V. F. (1992). Il sè in suo divenire: verso una terapia cognitiva post-razionalista. Torino: Bollati Boringhieri.

GUIDANO, V. F. (1988). La complessità del Sè: Un approccio sistemico-processuale alla psicopatologia e alla terapia cognitiva. Torino: Bollati Boringhieri.

Por que as pessoas fumam?

Certamente, as pessoas fumam pelos mais diversos motivos. Deve-se pensar, porém, que a nicotina presente no tabaco, que é a substância capaz de gerar dependência, atua no sistema de recompensa cerebral e seu uso resulta numa sensação de bem-estar.

* Por Dr. Alexandre de Rezende

Por que as pessoas fumam?

Certamente, as pessoas fumam pelos mais diversos motivos. Deve-se pensar, porém, que a nicotina presente no tabaco, que é a substância capaz de gerar dependência, atua no sistema de recompensa cerebral e seu uso resulta numa sensação de bem-estar. Por outro lado, na medida em que a dependência se instala ao longo do tempo, as pessoas passam a buscar o cigarro para evitar o incômodo dos sintomas de abstinência. As principais queixas dessa condição são inquietação, irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia, ansiedade, tristeza e aumento do apetite.

As pessoas também podem fumar como uma forma de lidar com as emoções ou sentir-se melhor diante de algum problema. Dessa forma, algumas pessoas podem dizer que fumar dá prazer e é relaxante, outras podem justificar falando que o cigarro lhes anima e, assim, fica mais fácil se relacionar com os outros. Algumas pessoas podem argumentar que usam o tabaco para manter-se alerta ou para se esquecer das obrigações e preocupações.

Independentemente das justificativas apresentadas por cada um, sempre se destaca que parar de fumar é possível! Descobrir e entender as razões para se fumar pode ser útil no processo de tratamento e interrupção do tabagismo.

Quando se pensa na dependência comportamental, o fumante estabelece uma rotina, criando hábitos que se tornam gatilhos para o desejo de fumar. O condicionamento normalmente acontece com a repetição da associação do hábito de usar o cigarro com algum comportamento.

Pode-se citar os principais hábitos associados ao ato de fumar: após o consumo de café ou das refeições; ao ir ao banheiro, ao dirigir ou ao falar ao telefone; antes de dormir ou quando se consome bebidas alcoólicas.

É fundamental a compreensão de que cada tabagista desenvolve uma relação específica com o cigarro, e as funções e os motivos que levam cada um a manter o hábito variam de pessoa para pessoa. Durante o trabalho de aconselhamento para a interrupção do tabagismo, o foco deve ser a identificação das crenças e dos comportamentos associados ao hábito de fumar, para que assim o indivíduo possa desfazer tais associações.

Existem diversas ideias associadas ao tabagismo que podem funcionar como obstáculo para o desejo de enfrentar esse problema. Muitas dessas ideias não são verdadeiras e devem ser desmistificadas. Outras são mesmo reais, mas é aconselhável que algumas estratégias sejam discutidas para que possam ser minimizadas.

“Fumar me ajuda a controlar o peso e, se eu parar, vou ficar gordo”.

De fato, o ganho de peso muitas vezes aparece como uma barreira na cessação do tabagismo, sobretudo em mulheres. A maioria dos pacientes engorda em média até 4kg ao deixar de fumar. No entanto, esse ganho é menos prejudicial à saúde do que continuar a fumar. Não se deve negar essa possibilidade de ganho ponderal, embora nem sempre haja incremento da ingesta calórica. Os fatores que influenciam esse aumento do peso são alterações metabólicas, melhora do paladar e olfato, aumento do apetite e ansiedade, além da necessidade de se premiar por conta da sensação de privação do cigarro. Assim, deve-se ter em mente a necessidade de adoção de um estilo de vida com hábitos mais saudáveis, com a maior ingestão de frutas e verduras, prática de exercício físico e consumo limitado de álcool.

“Fumar me ajuda a lidar com o estresse”.

A maioria dos fumantes relata usar o cigarro para lidar com situações estressantes. Porém, no cigarro não existe nenhuma substância relaxante, a nicotina é um estimulante. Provavelmente, esse relato está relacionado a um condicionamento, ou seja, as pessoas param para fumar em interrupções de situações de estresse. A hora de fumar é uma parada no tempo, propiciando um intervalo à pessoa. Por exemplo, o fato do indivíduo fumar no intervalo de uma reunião estressante. Além disso, quando se fuma, se alivia os sintomas de abstinência.

“A vontade de fumar não vai embora”.

É importante se ter informações acerca dos sintomas de abstinência, o tempo de duração e o quanto o tratamento farmacológico pode minimizar essas queixas. A vontade de fumar, conhecida como fissura, é um sintoma de abstinência, e tende a durar, em média, 2 a 5 minutos. O mais importante é que a ocorrência desses sintomas vai diminuir com o tempo. Quanto mais tempo a pessoa ficar sem fumar, menos intensa e frequente será a vontade.

Existem algumas formas para se lidar com esses momentos de fissura, tais como beber água quando sentir vontade de fumar. Uma outra possibilidade é ter palitos de cenoura à mão, comendo sempre que sentir aquela ânsia de levar um cigarro à boca. Um chiclete também pode substituir o prazer oral do cigarro. Se a pessoa tem vontade de fumar logo após as refeições, pode-se escovar os dentes imediatamente após terminar de comer. O importante é não comprar cigarros e descartar tudo aquilo que possa remeter ao ato de fumar, como cinzeiros.

“Sem cigarro não vou conseguir produzir. Fico burro”.

Sim, é verdade que a nicotina pode melhorar a concentração. Desse modo, a dificuldade de atenção pode ser um dos sintomas presentes no momento inicial da abstinência. Então, deve-se entender que, nesses primeiros dias, a pessoa pode não produzir tanto quanto gostaria, mas essa limitação é temporária. Pode-se fazer um planejamento e adiar na primeira semana tarefas que demandam mais foco. Deixar de fumar é um passo importante para a vida do tabagista e um período pequeno com dificuldade de concentração não será mais prejudicial do que permanecer fumando.

“Não vou conseguir ir ao banheiro sem cigarro”.

Deve-se ter em mente que, ao parar de fumar, é possível ter alguma alteração intestinal, inclusive com ocorrência de constipação. Muito menos por conta de um efeito direto do tabaco, mas muito provavelmente por ter se criado um condicionamento de fumar sempre que se ia anteriormente ao banheiro. Assim, por vezes é difícil perceber que essas ações (fumar e evacuar) acontecem de forma independente. Uma boa estratégia seria tentar se lembrar de como era o funcionamento do intestino antes de começar a fumar. Mais uma vez, se algum prejuízo no hábito intestinal acontecer, isso será passageiro.

“Não vou conseguir me divertir sem cigarro”.

É fundamental refletir como cada um já se sentiu em lugares em que esteve e que não era permitido fumar. Ou pensar como as pessoas em geral conseguem se divertir sem cigarro. Deve-se discutir as possíveis mudanças de comportamento em relação às restrições de fumo em determinados ambientes. No começo, as mudanças podem ser difíceis, mas a adaptação vem com o tempo. Também deve-se prestar atenção na associação do tabaco com o uso de álcool.

Referência:

Presman S, Gigliotti A. Capítulo 11 – Nicotina. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R, e colaboradores. Dependência Química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019.

 

Trama

Quando alguém adentra no consultório para falar de si, não adentra só…

* Por Vívian Hauck

“Tudo vive em mim. Tudo se entranha

Na minha tumultuada vida. E por isso

Não te enganas, homem, meu irmão,

Quando dizes na noite que só a mim me vejo.

Vendo-me a mim, a ti.”

– Trecho de ‘Poemas aos homens do nosso tempo – VI’ – Hilda Hilst

“Na vida psíquica do ser individual, o Outro é via de regra considerado enquanto modelo, objeto, auxiliador e adversário, e portanto a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social, num sentido ampliado, mas inteiramente justificado.”

– Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921)

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Quando alguém adentra no consultório para falar de si, não adentra só.

Desde o nascimento, um bebê humano é imerso em uma língua, uma cultura, uma história. A história de sua família, contada na língua materna. A história de seu nome. A história de quem veio antes dele. A história de seu país, de sua cidade. A história fantasiada do que esperam dele, de quem será, de como será. Falam com ele e por ele antes que ele fale por si, e é só assim que pode – ele mesmo – passar a falar. Não há sujeito que se crie sozinho.

Atravessado de saída por essas histórias, este sujeito vai encontrando outros em seu caminho. Com alguns se identifica, outros passam despercebidos. Ama alguns, outros nem tanto. Participa de alguns grupos, luta contra outros. Se posiciona em alguns lugares, em outros se silencia, se apaga. E assim vai construindo a trama de relações que o acompanha e, mais que isso, que o constitui.

É em relação também que sofre. Sofre pelo que falha, sofre pelo amor não correspondido, sofre quando se decepciona com aquele que acreditava ser perfeito, sofre por tentar se distanciar de um ou de outro e não conseguir. Sofre na tentativa de suprir as expectativas de outrem, aquelas que estavam lá desde o berço.  Sofre repetidamente pelas vezes em que se viu ali, naquela mesma situação que sempre o faz sofrer. “Isso sempre acontece comigo”, diz.

Talvez em algum momento afortunado se pergunte afinal “E por que é que isso sempre acontece comigo?”, “E o que eu quero? Eu quero mesmo ser isso que desejaram para mim?”. Adentra ao consultório. Traz consigo sua história e as marcas de todas essas relações. E ali, de forma singular, se encontra com a possibilidade de assumir sua história, suas responsabilidades, seus desejos, sua alteridade, seus limites. O que será que é possível fazer a partir e com tudo isso que te construiu, que te fez chegar até aqui?

Pode parecer um tanto assustador, mas faço a aposta de que vale a pena a viagem.

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“Cada indivíduo é um componente de muitos grupos, tem múltiplos laços por identificação, e construiu seu ideal do Eu segundo os mais diversos modelos. Assim, cada indivíduo participa da alma de muitos grupos, daquela de sua raça, classe, comunidade de fé, nacionalidade etc., e pode também erguer-se além disso, atingindo um quê de independência e originalidade.”

– Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921)

Pandemia de medo e covid-19: impacto na Saúde Mental e possíveis estratégias.

Para entender as repercussões psicológicas e psiquiátricas de uma pandemia, as emoções envolvidas, como medo e raiva, devem ser consideradas e observadas.

* Por Fernanda Rezende

“PANDEMIC FEAR” AND COVID-19: MENTAL HEALTH BURDEN AND STRATEGIES.

Para entender as repercussões psicológicas e psiquiátricas de uma pandemia, as emoções envolvidas, como medo e raiva, devem ser consideradas e observadas. O medo é um mecanismo de defesa animal adaptável que é fundamental para a sobrevivência e envolve vários processos biológicos de preparação para uma resposta a eventos potencialmente ameaçadores. No entanto, quando é crônico ou desproporcional, torna-se prejudicial e pode ser um componente essencial no desenvolvimento de vários transtornos psiquiátricos. Em uma pandemia, o medo aumenta os níveis de ansiedade e estresse em indivíduos saudáveis e intensifica os sintomas daqueles com transtornos psiquiátricos pré-existentes.

Durante as epidemias, o número de pessoas cuja saúde mental é afetada tende a ser maior que o número de pessoas afetadas pela infecção. Tragédias anteriores mostram que as implicações para a saúde mental podem durar mais tempo e ter maior prevalência que a própria epidemia e que os impactos psicossociais e econômicos podem ser incalculáveis se considerarmos sua ressonância em diferentes aspectos.

Outro estudo relatou que pacientes infectados com COVID-19 (ou suspeita de infecção) podem sofrer intensas reações emocionais e comportamentais, como medo, tédio, solidão, ansiedade, insônia ou raiva, como já foi relatado em situações semelhantes no passado. Tais condições podem evoluir para transtornos, sejam depressivos, ansiedade (incluindo ataques de pânico e estresse pós-traumático), psicóticos ou paranoides, e podem até levar ao suicídio. Essas manifestações podem ser especialmente prevalentes em pacientes em quarentena, cujo sofrimento psicológico tende a ser maior. Em alguns casos, a incerteza sobre infecção e morte ou sobre infectar familiares e amigos pode potencializar estados mentais disfóricos.
Mesmo entre pacientes com sintomas comuns de gripe, o estresse e o medo devido à semelhança das condições podem gerar sofrimento mental e piorar os sintomas psiquiátricos.

Embora alguns protocolos tenham sido estabelecidos, a maioria dos profissionais de saúde que trabalha em unidades de isolamento e hospitais não é treinada para prestar assistência em saúde mental durante pandemias, nem recebe atendimento especializado.

O fornecimento de primeiros socorros psicológicos é um componente de assistência essencial para populações vítimas de emergências e desastres, mas não existem protocolos ou diretrizes universais eficazes para as práticas de apoio psicossocial.

Especificamente para esse novo cenário da COVID-19, Xiang et al. Sugere que três fatores principais sejam considerados ao desenvolver estratégias de saúde mental:

  • Equipes multidisciplinares de saúde mental (incluindo psiquiatras, enfermeiros psiquiátricos, psicólogos clínicos e outros profissionais de saúde mental);
  • Comunicação clara envolvendo atualizações regulares e precisas sobre o surto de COVID-19;
  • Estabelecimento de serviços seguros de aconselhamento psicológico (por
    exemplo, via dispositivos ou aplicativos eletrônicos).

Por fim, é extremamente necessário implementar políticas públicas de saúde mental em conjunto com estratégias de resposta a epidemias e pandemias antes, durante e após o evento. Recentemente a OMS e o Centro de Controle de Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) publicaram uma série de recomendações psicossociais e de saúde mental. Isso está de acordo com os dados longitudinais da OMS que demonstram que os fatores psicológicos estão diretamente relacionados às principais causas de morbimortalidade no mundo.

Referência Bibliográfica:
ORNEL, F. et al. Pandemia de medo e COVID-19: Impacto na Saúde Mental e
possíveis estratégias. Debates em psiquiatria, Rio de Janeiro. N 02, p. (12-17),
Abril – junho 2020.

Mudança de hábitos: castigo ou oportunidade?

A obesidade é uma doença crônica, multifatorial e muitos são os fatores determinantes.

* Por Laís helena pereira

Mudança de hábitos: castigo ou oportunidade?

Sabemos que a pessoa com obesidade sofre muito preconceito em nossa sociedade, além de enfrentar diversos desafios no cotidiano. Muitas vezes, pode ser julgado e até mesmo proferir auto julgamentos a respeito de sua capacidade de ter hábitos saudáveis, de ter auto controle e comportar-se de maneira diferente.

Entretanto, é importante lembrar que a obesidade é uma doença crônica, multifatorial e muitos são os fatores determinantes como: fatores genéticos e metabólicos, aspectos socioculturais, hábitos, influências históricas e ambientais e fatores psíquicos. Portanto, não é justo e nem saudável considerar que a obesidade seja, única e exclusivamente, uma questão de “falta de vergonha na cara”, “desleixo” ou descuido no autocuidado.

Compreender a doença de tal maneira contribui para a construção de um significado reducionista que coloca a pessoa com obesidade como culpada da situação, afinal fez algo errado e não consegue cuidar de si mesma e assim, o tratamento, torna-se um castigo, uma punição. Com isso, o prejuízo recai sobre a própria pessoa, afinal, as mudanças que precisam ser feitas tornam-se ainda mais difíceis e sofridas, pois carregam o peso de um castigo.

Um tratamento efetivo deve considerar tudo o que pode estar associado a causa da obesidade na vida de cada indivíduo e não apenas responsabilizar algo ou alguém. Compreender a realidade e aceitá-la são passos importantes para o início de uma longa e efetiva caminhada em busca da redução do peso, qualidade de vida e bem estar. A busca pelo tratamento adequado não é sinal de fracasso, mas sim uma oportunidade de viver melhor e adquirir ferramentas para enfrentar a obesidade.

Ressignificar o tratamento, abandonando a ideia de castigo e punição para oportunidade, te ajudará a aderir às mudanças necessárias e realizá-las com mais leveza e satisfação! Afinal, os benefícios serão seus, só você sabe como é viver assim! Se mudanças são necessárias, que bom que elas podem acontecer, faça isso por você!

Aproveite a sua oportunidade!