Entre tantos, por que você?

Precisamos celebrar o amor! Estávamos em um contexto de recomendações de isolamento social e nos debruçávamos para compreender o impacto disso sobre nossas relações.

* Por Diana Lopes

Entre tantos, por que você?

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”

Vinicius de Moraes

Em um outro texto do nosso blog, há um ano atrás, propus um convite: Precisamos celebrar o amor! Estávamos em um contexto de recomendações de isolamento social e nos debruçávamos para compreender o impacto disso sobre nossas relações. Havíamos sido expostos a descobrir novas maneiras de amar e de se sentir amado. Agora a situação pandêmica está diferente, ainda que tenhamos que nos cuidar (recomendo o uso de máscara), estamos nos encontrando mais, nos reunindo para dançar, ir a shows, bater papo nos bares, em festas e até nos abrir para mais encontros afetivos-amorosos. E como nos tornamos uma pessoa especial para a outra? E como a outra pessoa se torna especial para nós?

Na verdade, não há qualquer resposta precisa sobre isto. Mas não é fascinante pensar sobre isto? Fico imaginando, dois estranhos que são de origens interpessoais bem diferentes, de diferentes contextos, de diferentes gerações, que se comunicam de maneira diferente, muitas vezes de diferentes culturas, de personalidades diferentes, que se relacionam de maneira diferentes, com experiência pessoal mais ou menos organizada, se encontram e os olhos brilham, sentem as famosas “borboletas no estômago”… Pronto! Aconteceu! Dois estranhos reconhecem a singularidade do outro.

Estudos sobre o apego em adultos mostram que este encontro e o reconhecimento do outro não ocorrem completamente ao acaso. Existe uma organização ideoafetiva que reconhece algumas características do outro como significativas. Ih, desculpe se acabei com a magia do encontro. Tenho esta tendência (ou mau costume) de buscar explicações em estudos e teorias para os fenômenos que me despertam interesse e curiosidade. Mas nem tudo está perdido, posso garantir que compreender isto não afetará o encantamento de sua experiência ao encontrar sua pessoa especial.

Apaixonar-se envolve diferentes áreas, da atração física até a ternura amorosa que se desenvolve pouco a pouco, e implica que os membros do casal começam a se remodelar para se manterem juntos. Então, os dois estranhos, com histórias bem diferentes, passam a se articular e reinterpretam suas memórias para reconstruir um presente, dão um novo sentido ao passado e se projetam para realizar juntos um futuro. Podemos dizer que este é o processo de recíproca intimidade, esta experiência resulta em coordenação afetiva, emocional, influencia os ritmos biológicos e a alta intensidade desses sentimentos nos deixa no estado de apaixonados. Aos poucos, identidades pessoais distintas passam a se traduzir no relacionamento. Esta “negociação” de identidades pessoais que ocorre no início e no final dos relacionamentos é a grande responsável pela experiência de instabilidade (inseguranças, ansiedades, angústias). Passado este período inicial, essa instabilidade vai se reduzindo e em seu lugar aparece a experiência de exclusividade e integração, que expressa a nossa tradução de identidade na relação. Reordenamos nosso “sentido de si” (ou o “eu”), integrando o outro como unidade. Durante todo o relacionamento nos empenhamos em manter este sentido de pertencimento e exclusividade. Para o sucesso do relacionamento é necessária uma integração mútua entre as identidades.

No entanto, em algum momento isto pode deixar de ser possível para um dos membros do casal…

A possibilidade de separação passa a ser uma solução uma vez que o sentido de si não pode ser experenciado mais com nosso parceiro afetivo.  Tentativas de produzirmos uma mudança como casal podem funcionar, ou podem representar uma medida radical (e insatisfatória), e inviabilizar cada vez mais a tradução de nosso sentido pessoal no relacionamento, ou impedir a tradução do outro. Nessa altura do relacionamento, alternamos entre a experiência de aceitação, como forma de resgatar a relação, às trocas de hostilidades, até admitirmos dificuldades em dar continuidade nas histórias e projetos comuns, e então se instala a dissolução da reciprocidade.

Começa a surgir a necessidade de uma nova história (experiência) para o “eu” e para o outro. Compreender o outro em sua dimensão ontológica nos coloca em confronto com a nossa interioridade. Primeiro tentamos dar sentido buscando explicações no outro, sobre o qual não exercemos qualquer tipo de controle ou acesso. Deparamo-nos com uma impossibilidade de reconhecimento em cada revelação do outro.

Diante da exigência de uma nova articulação sobre o outro, passamos a questionar a nós mesmos, a maneira como nos organizamos, nosso modo de viver e sentir. Uma auto-observação atenta pode nos tornar capazes de acessar aquilo que é possível para entrar em nova fase. Passamos a compreender nosso modo de ver e aceitar que o outro olha e percebe de forma diferente.

Uma via de superação dessas rupturas afetivas é desenvolvermos uma abertura para produzirmos uma versão de nós socialmente, com amigos, família, novos parceiros, novos amigos, etc. É o recomeço, ou pelo menos a possibilidade dele, para a construção de um sentido de autonomia interna. Podemos assumir uma nova perspectiva de nossa identidade pessoal.

Após a experiência de um relacionamento afetivo, ganhamos conhecimento e experiência sobre nós mesmos e a possibilidade de integrar mudanças em nosso sentido pessoal. Aos poucos vamos ganhando uma versão ainda mais encantadora! E isto também nos faz buscar aquela pessoa entre tantas outras, que desperta aquela sensação gostosa de “borboletas no estômago”!

Sugestão de leitura:

Tênis x Frescobol, Rubem Alves

A Pipa e a Flor, Rubem Alves

Músicas:

Travessia, Milton Nascimento

Samba de ir embora só, Teatro Mágico

Bibliografia de referência:

BALBI, J. (2015). “Adolescence, Order through Fluctuations and Psychopathology. A PostRationalist Conception of Mental Disorders and Their Treatment on the Grounds of Chaos Theory”; Chaos and Complexity Letters, Volume 9, Number 2, Nuova Science Publishers, New York.

BALBI, J. (2011). Metarappresentazione affettiva tacita e senso di identità personale. Un approccio alla comprensione delle gravi patologie psichiatriche dell’adolescenza e giovinezza, Rivista di psichiatría. Vol.46, N 5-6.

GUIDANO, V. F. (1992). Il sè in suo divenire: verso una terapia cognitiva post-razionalista. Torino: Bollati Boringhieri.

GUIDANO, V. F. (1988). La complessità del Sè: Un approccio sistemico-processuale alla psicopatologia e alla terapia cognitiva. Torino: Bollati Boringhieri.

Dicas para traçar metas

Novo ano, novas metas ou as mesmas do ano anterior que não foram cumpridas (quem nunca?).

* Por Laís Helena Pereira

Dicas para traçar metas

Novo ano, novas metas ou as mesmas do ano anterior que não foram cumpridas (quem nunca?).

Primeiramente, traçar metas é uma estratégia interessante para modificar comportamentos, desenvolver novos hábitos, alcançar outros patamares na carreira e na vida de modo geral. Diferente dos desejos as metas são ferramentas que direcionam o planejamento e auxiliam no monitoramento do processo. Porém, ter uma meta e não chegar até ela é bastante frustrante! A fim de evitar que isso aconteça é preciso elaborar metas realistas que fazem sentido para a sua vida. Desconsidere metas prontas, generalistas, que estão “na moda” busque aquilo que se encaixa nas suas necessidades e condições de execução. Caso tenha dificuldade de identificar o que faz sentido para você, busque um processo psicoterápico, invista no seu autoconhecimento antes de tudo!

Técnica SMART

Para facilitar o processo conheça a técnica SMART que orienta a definição de metas em 5 passos:

S – eSpecífico: detalhar, operacionalizar a meta. Ex.: Ler 4 livros ao invés de ler mais.

M – Mensurável: pensar em como será possível medir o seu progresso ao longo do tempo. Ex.: Ao final de cada mês checar quanto já leu.

A – Alcançável/Atingível: pensar nas habilidades necessárias para alcançar a meta, você as tem?  Ex.: Você sabe ler? E nas variáveis envolvidas para praticar as ações necessárias. Ex.: como conseguir os livros, onde vai ler, é possível encaixar a leitura na sua rotina?

R – Relevante: nesse passo você vai buscar a resposta para a seguinte pergunta: porque isso é importante para mim? Ex.: importante para que eu tenha mais atividades de lazer e diminua o tempo no celular.

T – Tempo: aqui você vai pensar num prazo para alcançar a meta. Ex.: até 31/12/2022.

Ter uma meta bem definida, afinada a sua realidade e possibilidades é o primeiro passo para alcançá-la!

Trama

Quando alguém adentra no consultório para falar de si, não adentra só…

* Por Vívian Hauck

“Tudo vive em mim. Tudo se entranha

Na minha tumultuada vida. E por isso

Não te enganas, homem, meu irmão,

Quando dizes na noite que só a mim me vejo.

Vendo-me a mim, a ti.”

– Trecho de ‘Poemas aos homens do nosso tempo – VI’ – Hilda Hilst

“Na vida psíquica do ser individual, o Outro é via de regra considerado enquanto modelo, objeto, auxiliador e adversário, e portanto a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social, num sentido ampliado, mas inteiramente justificado.”

– Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921)

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Quando alguém adentra no consultório para falar de si, não adentra só.

Desde o nascimento, um bebê humano é imerso em uma língua, uma cultura, uma história. A história de sua família, contada na língua materna. A história de seu nome. A história de quem veio antes dele. A história de seu país, de sua cidade. A história fantasiada do que esperam dele, de quem será, de como será. Falam com ele e por ele antes que ele fale por si, e é só assim que pode – ele mesmo – passar a falar. Não há sujeito que se crie sozinho.

Atravessado de saída por essas histórias, este sujeito vai encontrando outros em seu caminho. Com alguns se identifica, outros passam despercebidos. Ama alguns, outros nem tanto. Participa de alguns grupos, luta contra outros. Se posiciona em alguns lugares, em outros se silencia, se apaga. E assim vai construindo a trama de relações que o acompanha e, mais que isso, que o constitui.

É em relação também que sofre. Sofre pelo que falha, sofre pelo amor não correspondido, sofre quando se decepciona com aquele que acreditava ser perfeito, sofre por tentar se distanciar de um ou de outro e não conseguir. Sofre na tentativa de suprir as expectativas de outrem, aquelas que estavam lá desde o berço.  Sofre repetidamente pelas vezes em que se viu ali, naquela mesma situação que sempre o faz sofrer. “Isso sempre acontece comigo”, diz.

Talvez em algum momento afortunado se pergunte afinal “E por que é que isso sempre acontece comigo?”, “E o que eu quero? Eu quero mesmo ser isso que desejaram para mim?”. Adentra ao consultório. Traz consigo sua história e as marcas de todas essas relações. E ali, de forma singular, se encontra com a possibilidade de assumir sua história, suas responsabilidades, seus desejos, sua alteridade, seus limites. O que será que é possível fazer a partir e com tudo isso que te construiu, que te fez chegar até aqui?

Pode parecer um tanto assustador, mas faço a aposta de que vale a pena a viagem.

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“Cada indivíduo é um componente de muitos grupos, tem múltiplos laços por identificação, e construiu seu ideal do Eu segundo os mais diversos modelos. Assim, cada indivíduo participa da alma de muitos grupos, daquela de sua raça, classe, comunidade de fé, nacionalidade etc., e pode também erguer-se além disso, atingindo um quê de independência e originalidade.”

– Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921)

Quem cuida de quem cuida?

Pensando nas pessoas que de alguma forma estão envolvidas com o cuidado de outras pessoas: como temos contribuído com estes profissionais?

* Por Diana Lopes

E uma reflexão que neste momento deveria nos ocorrer: Tenho contribuído para o cuidado de quem cuida?

Vamos extrapolar o contexto da pandemia, sem desconsiderá-lo. Vamos pensar em todas as pessoas que de alguma forma estão envolvidas com o cuidado de outras pessoas: como temos contribuído com estes profissionais? Proponho considerarmos os profissionais responsáveis pela limpeza urbana, aos condutores de transporte urbanos, trabalhadores de serviços essenciais até aos profissionais envolvidos com prestação direta de cuidados de saúde. Estas pessoas estão envolvidas não apenas com o próprio risco, como com o risco de outras pessoas. E o que você tem feito para minimizar o impacto da vulnerabilidade dessas pessoas? Como tem sido solidário? Com atos? Você tem se dedicado a algum tipo de atitude por mais simples que seja?

Temos sofrido com o impacto de nossas dores ao longo de nossas vidas e sempre pudemos contar com pessoas que nos auxiliaram para lidar melhor com estes sofrimentos. Enfrentamos as incertezas associadas com o aparecimento, aumento de casos e sequelas de doenças. O impacto de um sofrimento que atinge a todos… Quer dizer, menos aos interesses políticos e econômicos (de uma elite, não de pequenas empresas/comércio)… Este é um tema para outro texto, deixaremos para os especialistas no assunto. Neste texto, se pretende uma reflexão de solidariedade circunscrita em cada um de nós com as pessoas que nos cuidam.

Que atitudes tomamos?

As pessoas que sempre nos cuidaram estão lidando com uma situação que desafia o senso de controle. Existem profissionais que em seu cotidiano sofrem as pressões e tensões da assistência no cuidado. Diante das ansiedades dessas pessoas, que atitudes tomamos? Será que temos percebido que estas pessoas lidam com o próprio sentimento de impotência? Temos sido empáticos genuinamente ou apenas batemos palmas e nada fazemos? De que maneira temos contribuído?

Às pessoas que cuidam:

A partir de agora passo a escrever diretamente às pessoas que cuidam. Aos outros leitores recomendo que continue a leitura, tem dicas que podem ajudar.

Tem sido amplamente difundida a preocupação com a necessidade de cuidar de quem cuida. Esta concepção de que é preciso cuidar do cuidador é uma ação preventiva. Precisamos nos conscientizar de que se esses profissionais não estiverem sendo assistidos em suas necessidades, isto passará a refletir e interferir no atendimento que prestam às pessoas sob seu cuidado.

Considere que, pessoas que cuidam estão em contato continuado com a dor profunda de outras pessoas, de que não tem controle para mudar algumas situações dessas pessoas a quem prestam cuidado, que lidam com a consciência e presença da possibilidade da morte, são expostos a acontecimentos que não podem ser reparados e que interferem na vida das pessoas afetadas, falta de recursos logísticos e humanos mínimos para exercício do trabalho, exposição a ameaças de violência e as suas consequências. Isto para citar apenas algumas situações, e que podem gerar a síndrome do desgaste por empatia. E este é o paradoxo, necessitamos da empatia para entender e trabalhar com as pessoas que cuidamos, no entanto, também é a empatia que nos deixa vulneráveis e expostos ao sofrimento.

Sinais de alerta:

  • Fadiga, cansaço, dificuldades para dormir, dores de cabeça, mudanças nos hábitos alimentares, doenças digestivas;
  • Irritabilidade, ansiedade, sentimentos de culpa e desamparo, agressividade, pessimismo, estar sempre na defensiva;
  • Dificuldades de concentração nas tarefas, absenteísmo;
  • Dificuldades nas relações e/ou comunicação;

 

Se perceber que está com dificuldades busque auxílio de pessoas próximas. Cultive um momento em que possa dividir com outros profissionais para compartilhar vivências relacionadas a estas dificuldades. É muito difícil conseguir lidar com essa nova realidade sem o apoio externo. Muitas vezes é necessário delegar funções, pedir ajuda e equilibrar as responsabilidades. Às vezes, parece claro o quanto necessitamos de auxílio, mas se não dissermos, não externamos para os outros, fica o sentimento de que está tudo certo e que você está dando conta. Com isto, não damos oportunidade de sermos ajudados. Aprimore a comunicação, o enfrentamento e a percepção de suas necessidades individuais e busque ajuda.

E conte com nossa equipe para cuidar de você que cuida de outras pessoas. Temos um time de profissionais empenhados e preparados para oferecer o melhor em Saúde Mental. Reserve um momento exclusivo para si mesmo, onde possa compartilhar suas percepções e sentimentos mais profundos, sem ser julgado pelo mundo exterior e, assim, conseguir ficar um “pouquinho mais leve. Nos cuidamos para cuidar de você. Conte comigo! Conte conosco! Estamos juntos para enfrentar as situações de uma vida em constante transformação.

Referência

GIL-MONTE, Pedro R.. Cuidando de quem cuida. Psicol. estud.,  Maringá ,  v. 9, n. 1, p. 137-138,  Apr.  2004 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722004000100017&lng=en&nrm=iso>. access on  23  Mar.  2021.  http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722004000100017.

O que você vê no espelho?

O que vemos no espelho é resultado da percepção daquele momento em conjunto com as informações registradas em nossa mente sobre o corpo e essa associação é projetada pelos olhos.

* Por Laís Pereira

Uma das necessidades biológicas do ser humano é o reconhecimento do próprio corpo, compreendendo o seu tamanho, forma, as partes que o compõem, o seu volume, delimitações e atribuições. Para atender a essa necessidade temos a constituição de uma imagem corporal que é formada por dois componentes: perceptual/sensorial e atitudinal/cognitivo. Tal reconhecimento se faz necessário para que possamos interagir com o ambiente e nos movimentemos pelos espaços físicos, por exemplo, para passarmos entre dois objetos fixos, desviar de um buraco, sentar em uma cadeira, escolher roupas para vestir e etc.

A construção da imagem corporal acontece desde o nascimento através de uma constante comunicação entre corpo e mente. Por meio dos vários receptores espalhados pela extensão corporal as sensações, comparações, críticas, elogios, erros e acertos são captadas e registradas pelo nosso cérebro. Com o registro dessas informações criamos uma espécie de “banco de dados” sobre o corpo formando um “mapa” em nossa mente e assim é construída uma ideia sobre o que e como é o próprio corpo. Essa primeira descrição corresponde ao componente perceptual da imagem corporal. Já o componente atitudinal/cognitivo se refere aos pensamentos, crenças, julgamentos, expectativas e comportamentos emitidos a partir dessa ideia de corpo.

Para exemplificar: uma criança grande é colocada para sentar nas últimas carteiras da sala de aula, fica atras nas fotos com muitas pessoas, ocupa os últimos lugares nas filas, sofre bullying, recebe apelidos pejorativos por conta do seu tamanho. Todas essas experiências são registradas e vão compor o seu “banco de dados”. A partir desses registros ele pode desenvolver a crença de que “ser grande é ruim, é uma desvantagem”, sentir-se triste por isso, apresentar o comportamento de se encurvar-se quando estiver falando com as pessoas, isolar-se por sentir-se inadequado.

O que vemos no espelho é resultado da percepção daquele momento em conjunto com as informações registradas em nossa mente sobre o corpo e essa associação é projetada pelos olhos. Assim como a imagem corporal é construída desde o nascimento, a distorção dela também começa desde cedo. Se as vivências com o próprio corpo forem mais negativas, o indivíduo tende a ter uma relação mais difícil com o corpo, uma imagem também negativa e até distorcida. A construção da imagem corporal é um processo individual e, portanto, apenas o próprio indivíduo sabe como é e o que vê. Dessa maneira, aquela imagem vista no espelho, muitas vezes, pode não corresponder a imagem vista pelas outras pessoas.

Nos Transtornos Alimentares de Bulimia Nervosa e Anorexia Nervosa uma característica comum é a insatisfação corporal. Nos dois casos, uma imprecisão na percepção do tamanho real do corpo é evidente, fazendo com que pacientes com os referidos transtornos apresentem uma distorção da percepção de sua dimensão corporal no sentido de se perceberem maiores do que realmente são (hiperesquematia) e, em consonância ao que percebem, desenvolvem comportamentos de restrição alimentar ou purgação.

Estar insatisfeito com o próprio corpo e apresentar uma imagem corporal distorcida pode ser motivo de grande sofrimento para o indivíduo, afinal, ele conduz a sua vida em função de uma imagem negativa e por consequência adapta a sua vida a isso, tendo comportamentos e hábitos condizentes com o que entende sobre o próprio corpo.

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA DISTORÇÃO DA PERCEPÇÃO DA IMAGEM CORPORAL

  • Comentários negativos sobre aparência física ou tamanho do corpo: Julgamento e comparação corporal e Desenvolvimento da referência incorreta do tamanho corporal
  • Mídia: ênfase sociocultural pela magreza
  • Agressões físicas, morais e abusivas

Tendo em vista que compomos uma sociedade numerosa e heterogênea é preciso compreender que padrões corporais, valorização de determinado biotipo e associação destes a sucesso, felicidade e beleza têm contribuído para uma grande insatisfação e imagens distorcidas do próprio corpo. Sendo essa uma característica muito forte do nosso contexto sociocultural, eu te convido a pensar sobre a finalidade disso.

Para que estabelecer e reforçar um padrão corporal?

O que eu tenho feito e posso fazer ter uma imagem corporal satisfatória?

Como estou contribuindo na formação da imagem corporal daqueles que eu convivo?

 

 

Dia do Psicólogo

Ser psicólogo me ensinou a acreditar no potencial que existe dentro de cada um de nós. O que implica em reconhecer com consciência, amor e coragem, que junto de nossos melhores ou piores momentos…

* Por Prof. Dr. Leonardo Martins

Ser psicólogo me ensinou a acreditar no potencial que existe dentro de cada um de nós. O que implica em reconhecer com consciência, amor e coragem, que junto de nossos melhores ou piores momentos, sempre temos um convite para seguirmos em direção à melhor versão de nós mesmos. A história de cada um, junto do contexto atual a que estamos submetidos, invariavelmente faz com que obstáculos em nosso caminho diminuam a clareza com que enxergarmos nossa própria potência. Ainda assim, mesmo diante deste véu que surge frente aos obstáculos que nos limitam, sempre será possível que a angústia resultante nos convide a desafiar o que parece sem solução – seja mudando por completo nossa direção, seja aceitando de forma compreensiva que alguns limites podem fazer parte de nossa história, sem que isso remova a possibilidade de seguirmos adiante.

Um guia que se mostra sempre à mão diante deste convite surge da imagem que cada que podemos construir ao pensarmos cuidadosamente sobre uma vida que possa valer à pena ser vivida. Do lugar em que nos encontramos, até os arredores deste lugar que desejamos chegar, uma série de possibilidades emergem, ainda que em meio a um sem fim de obstáculos e incertezas. Não é raro desejarmos uma linha reta, direta e sem interrupções que seguiria de onde estamos até onde queremos chegar. Apesar de ser válido desejarmos que nossas vidas sejam assim, poucas histórias seguem essa linearidade. Atalhos impensados, curvas, serras, descidas e subidas tornam-se muitas vezes as únicas opções disponíveis para seguirmos em frente. Não é raro ainda que voltar ao começo ou seguir na direção que parece contrária, possa ser na verdade nossa única forma de seguirmos mais adiante. Até mesmo esperar parado por um tempo, pode ser o mais sensato para nos recuperarmos e irmos adiante.

Com maior ou menor clareza, e a depender de como estão os dias, é bem assim que vejo uma parte da vida. Partimos de algum lugar que não conhecemos tão bem quanto gostaríamos, e seguimos para algum outro que por mais difícil que seja acreditarmos, estará sempre aberto em possibilidades. O caminho que fizemos é o que caminho que caminhamos; e guarda nossas dores e delícias, ambas em proporções particulares e nem sempre tão bem divididas quanto gostaríamos. Assim seguimos, carregando em nós um pouco destes lugares em que passamos. Ao seguir também guardamos sempre em potência a possibilidade dos lugares por onde ousaremos passar.

Dessa forma, conectando cada um destes lugares visitados e por visitar, vamos vendo a trajetória que escolhemos ou que nos foi imposta contingências que não prevíamos. Ao olhar onde estamos, vemos vestígios de onde passamos e o vislumbre da direção e sentido que podemos buscar. Não é raro que deste esforço consciente surjam uma multiplicidade de possibilidades, algumas mais reais do que as outras, mas todas compartilhando a essência que guarda cada destino possível. A cada caminho escolhido por mais beleza que possamos encontrar, temos que lidar sempre com o fato de termos renunciado a tantos outros. Não é raro que a nossa história e nosso contexto atual nos faça refletir sobre o assunto, colocando à mesa as possibilidades perdidas ou múltiplos das que podem ainda ser vividas. Raramente este exercício é por si só bem-sucedido, é o comum que o múltiplo do possível ou do deixado para traz possa nos fazer sentir sem rumo na estrada. Ao nos depararmos com esta sensação, é comum que fiquemos paralisados, que ignoremos a questão ou que sigamos por um caminho que não era de fato nosso. Como consequência, ao invés de resolvermos o que nos aflige, mais hora menos hora a ausência de sentido grita por meio do desânimo, da falta de motivação, ansiedade, compulsões e outras manifestações que se dão no corpo e na mente.

É difícil saber a razão ou o momento exato, mas como psicólogo invariavelmente meu caminho se cruza com alguém que está experimentando um desafio nesta caminhada que vai de onde estamos para onde queremos chegar. Cada qual, diante de sua história única, busca algo que é por princípio especial. Às vezes, uma intenção é encontrar uma direção mais clara, por vezes o objetivo é buscar uma direção menos óbvia. Por outros momentos é voltar pelo caminho já conhecido, mas talvez com um novo ritmo, passando pelas dificuldades que negligenciamos. Independente do motivo ou do desafio, acreditar no potencial de desenvolvimento inerente a cada um de nós me ensinou que de um ponto ao outro, seja da forma que for, sempre será possível buscarmos um sentido e um ritmo que nos leva pela a estrada de uma vida que possa valer a pena.

Por falar no assunto, uma vida que vale à pena ser vivida, por mais que seja planejada e que receba toda nossa atenção e esforço, invariavelmente apresentará barreiras, obstáculos, perdas ou mesmo paisagens que não gostaríamos de ter presenciado. Muitos destes desafios estão completamente fora de nosso controle, tal como fatalidades ou mesmo a pandemia que vivemos em 2020. A clareza em estarmos seguindo de forma coerente com nossos valores e com o que de fato nos importa, não elimina muitos destes obstáculos, mas pode fazer com que cada um destes desafios seja tomado diante do tamanho que possuem, mas sobretudo como parte de nossas histórias e não como pontos finais. Nesse sentido, descobrir nossa potência envolve por vezes aceitar tais condição e limites para seguirmos em frente. A sabedoria em aceitar o que não podemos mudar e o que está fora de nosso controle, não elimina a dor de uma perda ou seus prejuízos, mas nos liberta para seguirmos em frente ao invés de seguirmos paralisados tentando mover do caminho uma montanha que lá sempre esteve e que por lá sempre permanecerá. Despertar potência é reconhecer tal montanha e mover-se apesar dela. Aqui não se trata de um otimismo ingênuo, mas talvez exatamente o contrário disso. Trata-se de perdermos a esperança em resolver nossos destinos insistindo nas soluções ou caminhos que não nos tem ajudado, para então seguirmos em direção a uma nova alternativa.

No dia do psicólogo(a), meu depoimento atravessa o caminho deste texto, que por sua vez atravessa parte dos caminhos que percorro em meu exercício profissional ao lado de quem acompanho. Para terminar, reforço o convite cotidiano que Proust nos faz e que costumo refazer aos meus pacientes, clientes, supervisandos, alunos de mestrado e doutorado. O convite considera tudo que já escrevi acima, mas reconhece que o início da verdadeira viagem de descobrimento não precisa começar pela busca de caminhos ou paisagens ainda não vistos, mas sim por vermos a nós mesmos com novos olhos. A minha profissão pode ser descrita de diferentes maneiras e constituir-se de um sem fim de intervenções baseadas no melhor conhecimento disponível, mas confesso que quase sempre começo por esse convite e sigo por essa história.