Personalidade e comportamento procrastinador

É muito importante identificar quais fatores atuam para a manutenção desse comportamento para que ações de tratamento possam ter resultado.

* Por Sabrina Gomes

Personalidade e comportamento procrastinador

Procrastinar é um comportamento muito comum e representa um dos grandes problemas da atualidade, pois pode gerar prejuízos importantes na qualidade de vida das pessoas. A procrastinação consiste no adiamento voluntário de tarefas ou da tomada de decisões e, geralmente, está associada a sentimentos negativos, como insatisfação, vergonha e culpa. Isso porque procrastinar leva a frequentes atrasos de prazo, perda de compromissos e diminuição na qualidade das tarefas realizadas.

O comportamento procrastinador normalmente é considerado difícil de ser modificado e muitas intervenções não resultam em melhora para a pessoa, por se tratar de um problema muito complexo e que pode ser resultado de diversos fatores que atuam junto. Assim, é muito importante identificar quais fatores atuam para a manutenção desse comportamento para que ações de tratamento possam ter resultado.

Dentre as diversas condições responsáveis pela procrastinação, algumas características de personalidade podem ajudar a explicar a presença e intensidade desse comportamento. Em seguida, será apresentada uma das teorias mais importantes para a compreensão da personalidade, o modelo dos Cinco Grandes Fatores.

Definindo Personalidade

A personalidade refere-se às características psicológicas, relativamente estáveis, que determinam a forma de pensar, de sentir e de agir. Um dos modelos de compreensão da personalidade é o modelo dos Cinco Grandes Fatores. Este modelo destaca cinco traços amplos que ajudam a formar a personalidade, ou seja, formam o “jeito de ser” de uma pessoa.

Os cinco fatores são:

1) Neuroticismo, que consiste na forma como uma pessoa vivencia as experiências negativas, indicando o seu grau de estabilidade emocional;

2) Extroversão, que representa o quanto uma pessoa é comunicativa, ativa e tem facilidade para estabelecer interações sociais dinâmicas;

3) Abertura para experiências, que é um fator que avalia em que medida uma pessoa tem disponibilidade para vivenciar situações novas, desconhecidas, que lhe demandem uma postura mais criativa;

4) Realização, que representa um fator que avalia o quanto a pessoa é focada, tem disposição para buscar suas metas e é realizadora;

5) Socialização, que revela em que medida a pessoa tem capacidade para estabelecer relações sociais com qualidade, de forma agradável e empática.

Traços de personalidade e a procrastinação

Considerando o modelo dos Cinco Grande Fatores, quatro desses componentes (Neuroticismo, Extroversão, Realização e Socialização) podem ter influência sobre o comportamento de procrastinar, cada um de sua forma. Abaixo, veremos como esses traços de personalidade se relacionam com a procrastinação.

Neuroticismo: pessoas com altos índices de neuroticismo tendem a emitir o comportamento de procrastinar de maneira mais generalizada, uma vez que costumam reagir de forma emocionalmente carregada a um número muito grande de tarefas ou eventos que elevam a ansiedade, a tristeza ou raiva. Geralmente, essas pessoas possuem crenças negativas sobre si mesmas e sobre o mundo, apresentam autoestima diminuída e maior disponibilidade para sintomas depressivos. Pessoas com baixa autoestima, por exemplo, diante do planejamento de uma tarefa de apresentação ao público, podem experimentar sentimentos muito negativos relacionados com pensamentos de menos valia (por ex: “eu não sou capaz de fazer um bom trabalho”; “as pessoas vão rir de mim”), o que faz com que o indivíduo evite a tarefa, uma vez que o simples planejamento desta provoca sentimentos negativos.

Essa forma de agir acaba gerando o efeito “bola de neve”, já que crenças de baixa autoeficácia – “não sou capaz”, fazem com que a pessoa procrastine, o que compromete a qualidade da tarefa e acaba reforçando a ideia de que a pessoa não é capaz de realizar um trabalho com qualidade.

Extroversão: altos índices neste fator podem estar relacionados com atitudes impulsivas e com intensa busca por sensações. Essas pessoas tendem a manter o foco em atividades que proporcionem consequências positivas imediatas e perdem o interesse em tarefas de longo prazo, adiando esse tipo de demanda.

Realização: pessoas com baixo nível de realização apresentam tendência a distração e falta de motivação para a realização de seus projetos. Essas características podem explicar o não engajamento em tarefas que acabam sendo adiadas.

Socialização: baixos níveis no fator socialização geralmente correspondem ao comportamento de confronto de autoridades, com descuido em relação às regras e normas sociais, o que também pode afetar a forma como a pessoa responde às demandas. Por exemplo, a pessoa pode deixar de cumprir um compromisso por não se preocupar com expectativas sociais. Isso quer dizer que a pessoa não sentirá tanta culpa em adiar um evento mesmo que alguém tenha a expectativa de que ela cumprirá o prazo, por exemplo.

A procrastinação é um fenômeno complexo e prevalente que tem relação com diversos fatores. A compreensão do modo de funcionamento cognitivo, emocional e comportamental da pessoa, assim como das características dos diversos ambientes dos quais ela faz parte (acadêmico, familiar, profissional) é fundamental para a elaboração de intervenções mais resolutivas. Neste texto, foi possível compreender como os traços de personalidade podem auxiliar na investigação do comportamento procrastinador.

Referências

Steel, P. (2007). The nature of procrastination: a meta-analytic and theoretical review of quintessential self-regulatory failure. Psychological bulletin133(1), 65.

Leia também o texto do Dr. Alexandre de Rezende, psiquiatra, sobre Procrastinação clicando aqui.