Um relato sobre depressão.

Caro/a você,
Uma das poucas coisas que nunca imaginei na vida (e olha que eu sou uma serzinha das mais imaginativas) é que eu estaria aqui hoje te contando como tudo aconteceu comigo.

* Por Monalisa Vasconcelos

– O que é a coisa mais corajosa que você já disse na vida?

– Me ajuda.

Caro/a você,

Uma das poucas coisas que nunca imaginei na vida (e olha que eu sou uma serzinha das mais imaginativas) é que eu estaria aqui hoje te contando como tudo aconteceu comigo. E provavelmente jamais faria isso se não acreditasse integralmente no poder que reside em partilhamos as nossas histórias. É quando a gente se abre e se ouve que a gente reconhece a nossa humanidade, que a gente se sente menos sozinho, menos vazio, menos distante do que acontece lá no canto mais profundo da gente. Então, o meu único objetivo aqui hoje é que a gente se veja e se toque, sem filtros.

Meu nome é Monalisa. Em 2020 fui diagnosticada com depressão pelo Dr. Alexandre. Depois de dois anos de tratamento, recebi alta da medicação. E, em dezembro de 2022, ele me fez o convite de escrever um depoimento pro blog da clínica. “Pensei em você porque sua experiência foi super exitosa e pode servir de exemplo para outras pessoas”: essas foram as palavras dele. Sem pensar muito (o que também é bem incomum pros meus padrões), resolvi aceitar. Mas não pelas mesmas razões que impulsionaram o convite. Sabe, eu acho que a gente já ostenta demais da conta a partilha dos nossos êxitos (ou da imagem que cultivamos do que eles significam) e isso só tem piorado o quadro das nossas dores internas – que ficam cada mais exiladas no quartinho escuro das nossas grutas mais obscuras. Até que um dia elas nos implodem e desmoronamos diante dos nossos próprios olhos. Foi assim comigo, pode ser que isso esteja acontecendo com você agora e te prometo: não tenho a menor intenção de ser exemplo ou de mostrar como fui bem-sucedida nessa jornada. Não vou dar dicas de superação e espero escapar de frases motivacionais. Na maior das minhas esperanças, o que eu quero é poder te dar a mão no seu pior momento trazendo à tona o meu pior também. Que nada nos afaste.

Assim, descarada e despida, começo te contando o que rolou na nossa primeira consulta. Depois de, sei lá, uma hora, uma hora e meia de “conversa”, veio o diagnóstico: Monalisa, o quadro que você está apresentando é de uma depressão grave e precisaremos iniciar um tratamento. Aquele momento pra mim soou como uma sentença. Olhei bem nos olhos do médico e do meu abismo mais horroroso saiu uma voz que disse assim: “Doutor, o que senhor está me dando é um atestado de falência como ser humano”. Ele deve se lembrar disso. Eu, da minha parte, acho difícil esquecer. Tanto pela dor que eu senti quanto por tudo que eu enxerguei sobre mim mesma por causa dessa frase. Mas não foi logo de cara. Isso ainda demoraria mais algumas semanas.

Saí do consultório com uma receita de antidepressivo nas mãos. Guardei e jurei que jamais usaria aquilo. É preciso fazer um parênteses aqui pra dar uma pequena dimensão do meu contexto de vida naquele momento: nascida e criada em Juiz de Fora, depois de formar em jornalismo, me mudei pra São Paulo em 2009 com o sonho de me tornar atriz. Em 2020, quando a pandemia estourou, eu tinha um cargo público como coordenadora de um teatro da secretaria municipal de cultura, estava em cartaz com duas peças de teatro, vinha de um 2019 com reconhecimentos super bacanas no âmbito do meu ofício, desenvolvia meus trabalhos espirituais e sociais… tinha toda uma vida estruturada na cidade nesses dez, onze anos depois da minha chegada totalmente às cegas nesse lugar. Esses anos de São Paulo sempre foram uma luta indescritível, muito solitária, cheia de revezes e não foram poucas as vezes em que eu havia pensado em “desexistir”. Mas, com o passar do tempo, e as conquistas (internas e externas) sendo delineadas palmo a palmo, naquele momento eu tinha um certo sentimento de que estava, por fim, conseguindo construir algo de concreto, duradouro e próprio. Durante os primeiros meses da pandemia, o trabalho aumentou, me envolvi em várias campanhas de auxílio às famílias mais carentes, criei novos projetos artísticos, fiz um monte de live pro teatro… até que, sem perceber como, de um dia pro outro, entre as paredes daquele meu studio de 30m², eu comecei a perder a memória, a perder força (literalmente) de ficar em pé, me vi a dormir e acordar chorando ininterruptamente por semanas e completamente sem vontade de continuar vivendo. Pouco tempo depois, na segunda tentativa da minha família de me resgatar desse estado, eu me vejo de volta a Minas, com 36 anos, completamente devastada emocionalmente, tendo que virar as costas pra tudo, com o pensamento oscilando num paradoxo entre “eu não construí nada de válido” e “vou perder tudo o que eu construí”. Outro fator era a minha mediunidade. Do que jeito que eu estava era como se tivesse aberto um portal cavalar à toda sorte de perturbações e obsessões que agravaram muito essa situação.

Aí, quando eu escuto “depressão” foi como se aquilo chancelasse o sentimento de que apesar de todo esforço, renúncia e dedicação, no fim das coisas eu “dei errado”, “não consegui”, “falhei”, “voltei pior do que quando fui embora”. Sentia vergonha de estar na casa dos meus pais de volta, vergonha da minha fraqueza, da minha agora indisfarçável vulnerabilidade. Quem, ainda mais nos dias de hoje, quer ser vista como um fracasso? Calma, muita calma. Eu não estou dizendo que a depressão seja isso. Eu quero dizer (e essa é a grande questão) que, dominada por ela, isso era tudo o que eu conseguia enxergar. E é nesse ponto que o jogo começa a virar.

O Dr. Alexandre não sabe, vai saber quando ler esse texto, eu demorei semanas pra começar a tomar o remédio. Eu tinha muito medo do que ele poderia me causar e uma birra homérica da psiquiatria, da extensa medicalização presente em nossos tempos. Além disso, anos atrás, escrevi uma peça de teatro inspirada no dilacerante livro “Holocausto Brasileiro” (da também juizforana, a maravilhosa Daniela Arbex) e na ocasião eu estudei muito sobre o marketing da loucura pra poder falar daquele universo dos manicômios enquanto calabouços de eugenia social e crueldade assistida. Então, na minha cabeça eu tinha sido capturada pelo inimigo. Logo, me recusei drasticamente à medicação.

Acontece que meu quadro só piorou. Eu tinha cada vez menos força pra viver, pra comer, pra sair da cama, os ataques espirituais (sobretudo a noite) cada vez mais severos. Eu realmente fui até a última gota na tentativa de conseguir sair daquela situação com as minhas próprias forças e eu não consegui. Até que chegou o dia em que eu vi que realmente precisava de ajuda, precisava tentar alguma coisa que me desse força pelo menos pra sair da cama. Foi aí que comecei a tomar a medicação. E foi aí que eu comecei a perceber que a partir da ação da medicação no meu corpo era como se o meu cérebro tivesse começado a fabricar novas substâncias, ou velhas substâncias há muito paralisadas. Aos poucos, eu comecei a perceber que diante das “mesmas perguntas” estava sendo capaz de “dar respostas diferentes”. Algum tipo de padrão cíclico estava sendo rompido.

Alguns dias depois, a tempestade interior começou a dar os primeiros sinais de estiagem. Com meu céu interno menos nebuloso, me lembrei do que havia dito na primeira consulta e comecei a me perguntar: Meu Deus, se alguém me dissesse que tem depressão e me pedisse ajuda, a última coisa que eu diria a essa pessoa é que ela falhou como ser humano. Se fosse essa pessoa um amigo, um familiar ou mesmo um desconhecido, eu acolheria a sua dor e moveria mundos pra ajudá-la. Por qual razão, se é comigo, sou tão cruel e impassível? Por que me acredito menos merecedora de compaixão e auxílio? E mais: se qualquer um de nós está sujeito a adoecer do que quer que seja, por que eu acredito que quando é com o outro “tudo bem”, mas quando é comigo “não”? Quão melhor eu estou me julgando ser em relação a qualquer outro ser humano?

E é por isso que eu te disse que gostaria de te mostrar o meu pior. Porque foi também através dele que comecei a – aí sim – a ter condições de me movimentar internamente e voltar a viver. Na queda do meu Olimpo, da segurança da imagem que havia feito de mim mesma, fui obrigada a encarar que caminhava junto à toda aquela dor e desmoronamento, uma trinca fatal pra qualquer processo de cura e autoconhecimento: orgulho, vaidade e um extenso combustível de autodestruição. Não estou dizendo que essa seja o seu caso, estou dizendo que foi o meu. E que eu precisei enxergar isso.

E é também exatamente por isso que comecei esse texto com um trechinho de uma animação que vi esses dias no Instagram. Um menino caminha em um cenário coberto de neve com três animais. Ele pergunta “qual foi a coisa mais corajosa que você já disse?”. E um deles responde: “help”, ou “me ajuda”. E o que aconteceu comigo, meus amigos, é que eu me expus a ir longe demais na dor pra conseguir ter a coragem de dar esse passo. Pedir e aceitar ajuda. A verdade é que depois desse movimento, eu vi que provavelmente eu fui depressiva a vida inteira. A verdade é que apesar de extrovertida, comunicativa, alegre, a melancolia sempre me acompanhou. Eu caminhei a vida inteira encobrindo com elogios, notas altas, perfeccionismo, performance impecável e excesso de produtividade o rombo horrível que eu carrego no peito, o flerte constante com o suicídio. Eu fui me tornando “imparável”, acreditando fazer isso em nome da construção de mim mesma, do meu legado, do meu quinhão de sucesso (material e espiritual). Mas isso era só metade da verdade. Essa metade encobriu por tempo demais o medo absurdo que eu tinha de em algum momento ter que lidar com aquela sombra insondável dentro de mim. E isso tem um preço muito alto. Muito alto.

Durante o período do tratamento, muitas coisas aconteceram na minha vida, outros tantos ganhos e perdas. E eu poderia ter seguido nesse texto os caminhos das coisas que eu fiz nesse processo pra “dar a volta por cima”, mas acredito que incorreria no mesmo erro em que estamos insistindo de só editar o enredo das nossas vidas no campo das experiências externas, quando na verdade é dentro da gente que o bicho pega. Eu realmente sinto que a gente precisa começar a olhar pra nossa vida interior muito mais carinho, honestidade e humanidade. Até porque, quanto melhor e mais amplamente nós fizermos esse movimento, mais vamos perceber que a saúde mental precisa ser vista para além do indivíduo e da sua dor. Ela é de todo mundo. É tão humana quanto fome. Porque ninguém está imune e talvez seja através dela – da dor – que a gente consiga descobrir um novo jeito de ser e de existir nesse planeta. Tem um filósofo indiano que me toca profundamente, Jiddu Krishnamurti. E concordo em absoluto quando ele diz que: “não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”. Parte da nossa dor é, sim, um sinal claro de que precisamos dar novos rumos coletivos ao modo como encaramos o que se passa dentro da gente e o quanto a vida que a gente vem aceitando viver é corrosiva, venenosa e opressora. Os dados de depressão, suicídio, ansiedade… no Brasil e no mundo gritam por si e não estamos olhando pra isso com a atenção devida. Isso tem um preço muito alto. Muito alto. E estamos todos pagando por ele.

Bom, fiz todo o tratamento psiquiátrico, entrei na terapia, fiz uma série de coisas, mas não há um dia sequer que essa luta pela integridade do meu ser não esteja me esperando pro café da manhã. O rombo no meu peito não diminuiu, a diferença é que agora ele tem tanto espaço pra ser ouvido quanto o meu riso frouxo, que eu adoro. Custou e custa todos os dias querer e saber que existe sim uma forma melhor de viver nesse mundo. Mas realmente acredito que o verdadeiro salto dessa conquista só pode ser dado no compromisso de cada individualidade nessa causa que é sim tão coletiva quanto urgente.

Então, com tudo isso, caro/a você, eu espero que você não siga meu exemplo. Que você não espere se ferir como eu me feri (e permiti que me ferissem) até ter a coragem de pedir ajuda, de dar um tempo, de dizer “chega, eu não aguento mais”. Eu espero que você possa ter mais compaixão com seus sentimentos do que tive pelos meus até hoje. Eu espero que você consiga identificar seus limites antes de violá-los completamente. Eu espero que você sinta que pode conversar com alguém sobre suas fraquezas e que não precise se obrigue a ser incrivelmente foda o tempo todo pra se sentir amado ou amada. Eu espero que nem você, nem ninguém que você ame, tenha passado ou precise passar por tudo isso. Mas se for esse o caso, só saiba que você não está sozinho/a. Peça e aceite ajuda. E recomece. Estamos todos – uns mais, outros menos cientes disso – estamos todos renascendo nesse momento.

Um abraço carinhoso pra você,

Mona.

(@mona.vasconcelos)

Por que as pessoas fumam?

Certamente, as pessoas fumam pelos mais diversos motivos. Deve-se pensar, porém, que a nicotina presente no tabaco, que é a substância capaz de gerar dependência, atua no sistema de recompensa cerebral e seu uso resulta numa sensação de bem-estar.

* Por Dr. Alexandre de Rezende

Por que as pessoas fumam?

Certamente, as pessoas fumam pelos mais diversos motivos. Deve-se pensar, porém, que a nicotina presente no tabaco, que é a substância capaz de gerar dependência, atua no sistema de recompensa cerebral e seu uso resulta numa sensação de bem-estar. Por outro lado, na medida em que a dependência se instala ao longo do tempo, as pessoas passam a buscar o cigarro para evitar o incômodo dos sintomas de abstinência. As principais queixas dessa condição são inquietação, irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia, ansiedade, tristeza e aumento do apetite.

As pessoas também podem fumar como uma forma de lidar com as emoções ou sentir-se melhor diante de algum problema. Dessa forma, algumas pessoas podem dizer que fumar dá prazer e é relaxante, outras podem justificar falando que o cigarro lhes anima e, assim, fica mais fácil se relacionar com os outros. Algumas pessoas podem argumentar que usam o tabaco para manter-se alerta ou para se esquecer das obrigações e preocupações.

Independentemente das justificativas apresentadas por cada um, sempre se destaca que parar de fumar é possível! Descobrir e entender as razões para se fumar pode ser útil no processo de tratamento e interrupção do tabagismo.

Quando se pensa na dependência comportamental, o fumante estabelece uma rotina, criando hábitos que se tornam gatilhos para o desejo de fumar. O condicionamento normalmente acontece com a repetição da associação do hábito de usar o cigarro com algum comportamento.

Pode-se citar os principais hábitos associados ao ato de fumar: após o consumo de café ou das refeições; ao ir ao banheiro, ao dirigir ou ao falar ao telefone; antes de dormir ou quando se consome bebidas alcoólicas.

É fundamental a compreensão de que cada tabagista desenvolve uma relação específica com o cigarro, e as funções e os motivos que levam cada um a manter o hábito variam de pessoa para pessoa. Durante o trabalho de aconselhamento para a interrupção do tabagismo, o foco deve ser a identificação das crenças e dos comportamentos associados ao hábito de fumar, para que assim o indivíduo possa desfazer tais associações.

Existem diversas ideias associadas ao tabagismo que podem funcionar como obstáculo para o desejo de enfrentar esse problema. Muitas dessas ideias não são verdadeiras e devem ser desmistificadas. Outras são mesmo reais, mas é aconselhável que algumas estratégias sejam discutidas para que possam ser minimizadas.

“Fumar me ajuda a controlar o peso e, se eu parar, vou ficar gordo”.

De fato, o ganho de peso muitas vezes aparece como uma barreira na cessação do tabagismo, sobretudo em mulheres. A maioria dos pacientes engorda em média até 4kg ao deixar de fumar. No entanto, esse ganho é menos prejudicial à saúde do que continuar a fumar. Não se deve negar essa possibilidade de ganho ponderal, embora nem sempre haja incremento da ingesta calórica. Os fatores que influenciam esse aumento do peso são alterações metabólicas, melhora do paladar e olfato, aumento do apetite e ansiedade, além da necessidade de se premiar por conta da sensação de privação do cigarro. Assim, deve-se ter em mente a necessidade de adoção de um estilo de vida com hábitos mais saudáveis, com a maior ingestão de frutas e verduras, prática de exercício físico e consumo limitado de álcool.

“Fumar me ajuda a lidar com o estresse”.

A maioria dos fumantes relata usar o cigarro para lidar com situações estressantes. Porém, no cigarro não existe nenhuma substância relaxante, a nicotina é um estimulante. Provavelmente, esse relato está relacionado a um condicionamento, ou seja, as pessoas param para fumar em interrupções de situações de estresse. A hora de fumar é uma parada no tempo, propiciando um intervalo à pessoa. Por exemplo, o fato do indivíduo fumar no intervalo de uma reunião estressante. Além disso, quando se fuma, se alivia os sintomas de abstinência.

“A vontade de fumar não vai embora”.

É importante se ter informações acerca dos sintomas de abstinência, o tempo de duração e o quanto o tratamento farmacológico pode minimizar essas queixas. A vontade de fumar, conhecida como fissura, é um sintoma de abstinência, e tende a durar, em média, 2 a 5 minutos. O mais importante é que a ocorrência desses sintomas vai diminuir com o tempo. Quanto mais tempo a pessoa ficar sem fumar, menos intensa e frequente será a vontade.

Existem algumas formas para se lidar com esses momentos de fissura, tais como beber água quando sentir vontade de fumar. Uma outra possibilidade é ter palitos de cenoura à mão, comendo sempre que sentir aquela ânsia de levar um cigarro à boca. Um chiclete também pode substituir o prazer oral do cigarro. Se a pessoa tem vontade de fumar logo após as refeições, pode-se escovar os dentes imediatamente após terminar de comer. O importante é não comprar cigarros e descartar tudo aquilo que possa remeter ao ato de fumar, como cinzeiros.

“Sem cigarro não vou conseguir produzir. Fico burro”.

Sim, é verdade que a nicotina pode melhorar a concentração. Desse modo, a dificuldade de atenção pode ser um dos sintomas presentes no momento inicial da abstinência. Então, deve-se entender que, nesses primeiros dias, a pessoa pode não produzir tanto quanto gostaria, mas essa limitação é temporária. Pode-se fazer um planejamento e adiar na primeira semana tarefas que demandam mais foco. Deixar de fumar é um passo importante para a vida do tabagista e um período pequeno com dificuldade de concentração não será mais prejudicial do que permanecer fumando.

“Não vou conseguir ir ao banheiro sem cigarro”.

Deve-se ter em mente que, ao parar de fumar, é possível ter alguma alteração intestinal, inclusive com ocorrência de constipação. Muito menos por conta de um efeito direto do tabaco, mas muito provavelmente por ter se criado um condicionamento de fumar sempre que se ia anteriormente ao banheiro. Assim, por vezes é difícil perceber que essas ações (fumar e evacuar) acontecem de forma independente. Uma boa estratégia seria tentar se lembrar de como era o funcionamento do intestino antes de começar a fumar. Mais uma vez, se algum prejuízo no hábito intestinal acontecer, isso será passageiro.

“Não vou conseguir me divertir sem cigarro”.

É fundamental refletir como cada um já se sentiu em lugares em que esteve e que não era permitido fumar. Ou pensar como as pessoas em geral conseguem se divertir sem cigarro. Deve-se discutir as possíveis mudanças de comportamento em relação às restrições de fumo em determinados ambientes. No começo, as mudanças podem ser difíceis, mas a adaptação vem com o tempo. Também deve-se prestar atenção na associação do tabaco com o uso de álcool.

Referência:

Presman S, Gigliotti A. Capítulo 11 – Nicotina. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R, e colaboradores. Dependência Química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019.

 

Esquizofrenia

A Esquizofrenia é um transtorno mental crônico, com início mais comum no final da adolescência ou início da vida adulta. Apresenta como principais características os chamados sintomas psicóticos, divididos em positivos e negativos.

* Por Dr. Alexandre de Rezende

O que é Esquizofrenia?

A Esquizofrenia é um transtorno mental crônico, com início mais comum no final da adolescência ou início da vida adulta. Apresenta como principais características os chamados sintomas psicóticos, divididos em positivos e negativos.

Os sintomas ditos positivos da Esquizofrenia são os delírios e as alucinações. As alucinações são experiências em que o indivíduo tem percepções na ausência de estímulos sensoriais, sendo que as mais comuns são as auditivas. Ou seja, nesse caso, ele pode ouvir coisas que as demais pessoas não percebem. Já os delírios são definidos como juízos falsos da realidade, isto é, pensamentos ou ideias com conteúdos que não correspondem com a lógica dos fatos.

Há, também, os chamados sintomas negativos, em que se observa um empobrecimento do afeto e da vontade, e incapacidade de expressar emoções. O paciente com Esquizofrenia pode evoluir também com perdas cognitivas, principalmente com déficit na capacidade de abstração e prejuízo das funções executivas.

A prevalência da Esquizofrenia na população geral ao longo da vida gira em torno de 1%, sendo que o pico de aparecimento dos primeiros sintomas normalmente ocorre para os homens entre 15 e 25 anos e para as mulheres entre 25 e 35 anos de idade.

Apesar do tratamento farmacológico ser fundamental nesse tipo de transtorno mental, parte dos pacientes tem dificuldades em seguir esse tratamento de forma contínua. Muitas vezes deixam de tomar os remédios aconselhados por seus psiquiatras ou negligenciam o manejo do problema, reduzem por conta própria a dosagem da medicação, se esquecem dos horários estabelecidos ou fazem uso de substâncias psicoativas. Esses comportamentos contribuem não só para um atraso no tratamento, assim como também proporcionam o aparecimento de prejuízos, ou seja, a pessoa encontra cada vez mais dificuldades para interagir e torna-se menos capaz para desempenhar tarefas do dia a dia.

Como os pensamentos influenciam na Esquizofrenia?

Um paciente com o diagnóstico de Esquizofrenia pode se sentir “confuso” com seus próprios pensamentos. Eles podem lhe tirar a atenção em boa parte do tempo e, às vezes, podem surgir como vozes que dizem coisas sobre si, e que não são boas de ouvir ou são temidas como verdadeiras. Esses pensamentos são percebidos como reais, são bastante perturbadores e podem aumentar bastante o nível de estresse, o que deixa o paciente ainda mais vulnerável a crises. Assim sendo, é de grande importância que, aliada à medicação, o paciente tenha a ajuda de uma psicoterapia, pois assim, num viés cognitivo-comportamental, poderá identificar e modificar seus pensamentos, percebendo o que é “real” e o que tem relação com a Esquizofrenia.

Como o problema pode estar sendo mantido?

A Esquizofrenia é um transtorno mental que, de maneira geral, requer tratamento continuado pelo resto da vida. Nesse sentido, é de extrema importância a correta utilização da medicação prescrita pelo psiquiatra. Qualquer efeito colateral ou reação desagradável a essa medicação deve ser relatada ao médico, e nunca se deve fazer a suspensão por conta própria.

Alguns fatores que podem interferir na piora do quadro ou na não melhora:

  1. Interrupção do tratamento ou não dar o seguimento conforme orientação;
  2. Estressores familiares;
  3. Má alimentação;
  4. Uso de drogas;
  5. Não engajamento em hobbies e outras atividades de lazer.

Como lidar com a Esquizofrenia?

Para além do tratamento farmacológico, é necessário acrescentar intervenções psicossociais, como a psicoterapia. A terapia cognitivo-comportamental é considerada uma das abordagens com boa eficácia utilizada no tratamento da Esquizofrenia. Assim, será possível que o paciente possa encontrar novas alternativas para seu modo de pensar, não levando tanto em conta o conteúdo das alucinações e dos delírios, diminuindo, assim, o impacto deles na vida do paciente.

É importante normalizar as alucinações do paciente. Diversas outras condições, como depressão grave, luto e uso de substâncias podem gerar esses sintomas. Muitas vezes as vozes são reações a pensamento automáticos. Ao saber que outras pessoas podem apresentar isso, a experiência pode se tornar menos perturbadora.

Em relação aos delírios, a terapia cognitivo-comportamental propõe intervenções que permite que o paciente, utilizando áreas intactas do seu psiquismo, possa encontrar novas alternativas para a sua crença delirante e, com isso, diminuir o impacto do pensamento disfuncional em sua vida, a partir de uma aliança terapêutica bem estabelecida. Deve-se tomar o cuidado para não se desafiar os delírios.

Para uma melhor compreensão, citamos a seguir algumas estratégias utilizadas em psicoterapia:

  • Psicoeducação: deve-se informar ao paciente e familiares sobre as características da Esquizofrenia, seus sintomas, como é realizado o tratamento e as dificuldades associadas a esse diagnóstico.
  • Adesão medicamentosa: o tratamento farmacológico tem papel decisivo no controle dos sintomas da Esquizofrenia. Assim, a administração correta dos remédios é essencial para a eficácia do tratamento, evitando-se pausas, atrasos, diminuição ou aumento de dosagens por conta própria. Modificações inadequadas na medicação podem influenciar no aparecimento e gravidade dos sintomas psicóticos.
  • Identificação do pensamento: como já dito, na Esquizofrenia os pensamentos podem se manifestar por meio de conteúdo delirante. Algumas explicações alternativas podem ser sugeridas e talvez elas façam o paciente ver a situação de outro modo, contribuindo para que se sinta melhor.
  • Treino em habilidades sociais: um dos principais objetivos é possibilitar maior autonomia para que o paciente seja capaz de gerir sua vida com os menores danos possíveis. Deve-se desenvolver formas de se lidar com situações sociais diversas, principalmente aquelas de maior estresse, como problemas no âmbito familiar e sua reinserção na comunidade. Deve-se trabalhar intervenções que procurem preservar o contato com a realidade por meio da criação e manutenção de vínculos afetivos, com a família e amigos.
  • Resolução de problemas: tem como finalidade a criação de estratégias que visem resolver problemas específicos pelos quais o paciente possa passar.

 

É importante destacar a importância de se aprender a conviver com a Esquizofrenia, de forma a compreender suas características e saber como lidar com cada uma delas. A melhor forma de enfrentar um problema é conhecendo esse problema.

Sugestão de filme:

Uma mente brilhante. Filme de 2001, dirigido por Ron Howard, conta a história do matemático John Forbes Nash e sua luta contra a Esquizofrenia.

 

Referência bibliográfica:

Este texto foi baseado na seguinte referência:

HIRATA, H.P.; PAIXÃO, J.E. Capítulo 11 – Esquizofrenia. In: CARVALHO, M.R.; MALAGRIS, L.E.N.; RANGÉ, B.P. Psicoeducação em Terapia Cognitivo-Comportamental. – Novo Hamburgo: Sinopsys, 2019.