* Por Dr. Fabrício de Oliveira
Transtorno do Espectro Autista (TEA): informações, diagnóstico e tratamento precoce
Segundo o DSM-V— Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — o autismo, ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por:
- inabilidade persistente na comunicação social, e
- padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividade
Ainda:
- Os sintomas devem estar presentes no período de desenvolvimento, em fase precoce da infância
- Todos esses sintomas causam prejuízos significativos no funcionamento social, profissional e em outras áreas da vida da pessoa com autismo.
O TEA tem essas características que são essenciais para o diagnóstico. Ainda que os sintomas variam de caso a caso, esses elementos são determinantes para realizar o diagnóstico de autismo, ou seja: déficits nas trocas sociais (interação, linguagem e comunicação) e déficits no comportamento (repetição e inflexibilidade).
Nos últimos anos, as estimativas da prevalência do autismo têm aumentado dramaticamente. Nos EUA chegou a apresentar a prevalência de 1 para cada 58 em 2014. Esse aumento na prevalência do TEA é, em grande parte, um resultado da ampliação dos critérios diagnósticos e do desenvolvimento de instrumentos de rastreamento e diagnóstico. Sua prevalência é maior em meninos do que em meninas, na proporção de cerca de 4:18. Estima-se que em torno de 30% dos casos apresentam deficiência intelectual.
Sabe-se que não há uma causa definida. Pesquisas sugerem que o TEA se desenvolve a partir de uma combinação de influências genéticas e ambientais.
Categorias
Em 2013, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) fundiu quatro categorias distintas de autismo em um único diagnóstico – TEA.
São elas:
- Transtorno autista;
- Transtorno desintegrativo da infância;
- Transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação, e
- Síndrome de Asperger.
A nova classificação do DSM-V trouxe mudanças significativas nos critérios diagnósticos do autismo, ampliando a identificação de sintomas e com ênfase na observação do desenvolvimento da comunicação e interação social da criança.
O DSM-V rotula esses distúrbios como um espectro justamente por se manifestarem em diferentes níveis de intensidade.
Por exemplo, condições de inteligência podem variar desde déficits cognitivos importantes a padrões de inteligência acima da média. Uma pessoa diagnosticada como de alta funcionalidade apresenta prejuízos leves, que podem não a impedir de estudar, trabalhar e se relacionar.
Um portador de média funcionalidade tem um menor grau de independência e necessita de algum auxílio para desempenhar funções cotidianas, como tomar banho ou preparar a sua refeição.
Já o paciente de baixa funcionalidade vai manifestar dificuldades graves e costuma precisar de apoio especializado ao longo da vida.
Principalmente nos níveis mais leves, o diagnóstico apenas acontece na fase adulta. Nesses casos, é comum que o próprio paciente perceba em si alguns dos sintomas e busque a ajuda de um psiquiatra ou psicólogo.
Todos os pacientes com autismo podem partilhar destas dificuldades, mas cada um deles será afetado em intensidades diferentes, resultando em situações bem particulares.
Níveis de gravidade do autismo
Como já referido, a intensidade do comprometimento funcional encontrado nos indivíduos variam de intensidade.
- Interação/comunicação social:
Nível 1: necessita suporte;
Nível 2: necessita de suporte substancial;
Nível 3: necessita de suporte muito substancial
- Comportamento restritivo / repetitivo:
Nível 1: necessita suporte;
Nível 2: necessita de suporte substancial;
Nível 3: necessita de suporte muito substancial
Outro ponto a ser observado é que, geralmente ocorrem, algumas condições simultaneamente, e incluem: distúrbios do sono, dificuldade de alimentação, sintomas gastrointestinais, convulsões e déficit de atenção/hiperatividade.
Diagnóstico Precoce
Os primeiros sinais do Transtorno do Espectro Autista são visíveis em bebês, entre 1 e 2 anos de vida, embora possam ser detectados antes ou depois disso, caso os atrasos de desenvolvimento sejam mais sérios ou mais sutis, respectivamente. Sua trajetória inicial não é uniforme. Em algumas crianças, os sintomas são aparentes logo após o nascimento. Por outro lado, existem casos que podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas
Existe um grande espaço de tempo entre a suspeita de que “há algo estranho” (suspeita) até o diagnóstico propriamente dito. Já no primeiro ano de vida é possível detectar alguns sinais de alerta, como:
- contato visual pobre;
- ausência de balbucio ou gestos sociais;
- não responder pelo nome quando chamado;
- atraso de linguagem verbal ou não-verbal;
- déficit de contato social e de interesse por outras crianças;
- interesses repetitivos proeminentes e estereotipias.
Com o avançar da idade, também poderá ser percebido:
- Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ;
- Interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (como indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento).
É importante salientar que apenas uma das características não é sinônimo de autismo, mas um conjunto de comportamentos é que pode indicar a possibilidade do transtorno.
Normalmente são os pais que notam os primeiros sintomas, que costumam estar presentes mais claramente nos primeiros 3 anos de vida da criança. Entretanto, a idade média de diagnóstico é de 5 anos (coincidindo com o início da idade escolar). Dessa forma, para se evitar atrasos no diagnóstico, é recomendado que, a partir dos 18 meses de idade, fiquemos atentos aos sinais já referidos.
Uma observação cuidadosa é necessária pois os casos leves de TEA podem ser confundidos com outros comportamentos, como timidez, excentricidade ou falta de atenção.
Quando há suspeita de atraso nos marcos do neurodesenvolvimento e na interação social, a criança deve ser encaminhada para avaliação por profissional especialista (se possível especialista em neurodesenvolvimento) e por uma equipe multidisciplinar experiente, que são imprescindíveis na elaboração de um diagnóstico correto.
Lembrando sempre que suspeita é diferente de diagnóstico. EM CASO DE SUSPEITA, PROCURE AJUDA OU ORIENTAÇÕES DE CONFIANÇA.
Diagnóstico diferencial
Na avaliação, os profissionais identificam se há prejuízos na interação social, na linguagem, comunicação e padrões repetitivos de comportamento – sintomas comuns ao TEA.
Exames sensoriais (audição, incluindo respostas evocadas auditivas do tronco cerebral [se necessário] e teste visual) são frequentemente necessários.
Os principais diagnósticos diferenciais do TEA são:
- Déficits auditivos; com a diferença que não tem prejuízo na sociabilização e respondem a outros estímulos sonoros;
- Deficiência intelectual (DI);
- Transtornos de linguagem; que acabam interferindo na sociabilização, porém não vem acompanhados com gestos nem comportamentos repetitivos;
- TDAH; porém a alteração da comunicação social e os comportamentos repetitivos são infrequentes no TDAH;
- Transtornos de ansiedade e transtorno do apego reativo (TAR); entram no rol do diagnóstico diferencial porque alteram a comunicação social e a sociabilização, porém estas crianças apresentam melhora nestas habilidades quando estão em ambientes onde se sentem confortáveis, seguras e mais adequados, o que não acontece com as portadoras de TEA;
- Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC); O início do TOC é mais tardio e geralmente não está associado a prejuízo na comunicação como no TEA;
- Síndrome de Rett; É um quadro genético caracterizado por prejuízos cognitivos e físicos significativos, assim como regressão no desenvolvimento psicomotor normal após os primeiros 6 meses. Há queda na curva do perímetro cefálico, perdas de habilidades manuais, de linguagem, de marcha e presença de estereotipias, além de comprometimento na comunicação e na interação social. Contudo, ao contrário do TEA, passada a fase de regressão, nota-se inclusive as habilidades de comunicação.
Tratamento
Ainda que não exista cura, o autismo tem sim tratamento, capaz de melhorar a qualidade de vida do paciente. Em geral, uma equipe multidisciplinar é indicada, já que cada especialista trabalhará uma dificuldade específica do autista.
O tratamento padrão-ouro para o TEA é a intervenção precoce, que deve ser iniciada tão logo haja suspeita ou imediatamente após o diagnóstico por uma equipe interdisciplinar. Consiste em um conjunto de modalidades terapêuticas que visam aumentar o potencial do desenvolvimento social e de comunicação da criança, proteger o funcionamento intelectual reduzindo danos, melhorar a qualidade de vida e dirigir competências para autonomia, além de diminuir as angústias da família.
Cada indivíduo, dentro do espectro, vai desenvolver o seu conjunto de sintomas variados e características bastante particulares. Tudo isso vai influenciar como cada pessoa se relaciona, se expressa e se comporta. Deste modo, cada plano terapêutico será elaborado individualmente, levando-se em conta as características e particularidades caso a caso.
Costuma-se indicar acompanhamentos com:
Fonoaudiólogo: este poderá acompanhar a criança no desenvolvimento da linguagem não-verbal e verbal;
Ludoterapia: por meio de jogos e brinquedos o terapeuta trabalha a interação social e o contato visual da criança;
Análise aplicada de comportamento: pode se de extrema valia, sendo o objetivo amenizar determinados comportamentos nocivos e estimular outros;
Grupos de habilidades sociais: neles há espaço para praticar as interações sociais do dia a dia e melhorar o comportamento social;
Medicamentos: embora não sejam específicos para o autismo (não existe fármacos para curar tal condição), ajudam com possíveis problemas emocionais. Frequentemente o uso dos remédios são associados às terapias. Tal combinação pode tratar condições comórbidas, como insônia, hiperatividade, agressividade, impulsividade, ataques de raiva, falta de atenção, ansiedade, depressão e comportamentos repetitivos.
Colaboração multidisciplinar
A atenção ao desenvolvimento de habilidades sociais deve ser abordada na escola, comunidade, saúde comportamental e ambiente familiar;
OBSERVAÇÕES
- Outro elemento essencial no tratamento é o treinamento com os pais. O contexto familiar é fundamental no aprendizado de habilidades sociais e o trabalho com os pais traz grandes benefícios no reforço de comportamentos adequados.
- Devemos sempre estar atentos a sobrecarga emocional dos Esse é um dos principais desafios encontrados por famílias com crianças com diagnóstico de TEA. Dessa forma, os profissionais envolvidos no tratamento devem estar atentos a essa possibilidade e, sempre que necessário, o acompanhamento psicológico da família deve ser indicado
“O que eu posso fazer caso eu perceba algumas dessas características em meu filho ou em uma pessoa próxima?”
Estar bem informado sobre o assunto sabendo que a possibilidade da ocorrência do TEA é real e que o diagnóstico e tratamento (multiprofissional) precoce são fundamentais para uma melhor evolução do quadro são formas extremamente valiosas para nos tornarmos agentes de mudança numa circunstância como essa.
Uma situação complexa é quando percebemos alterações (vale lembrar que sinal de alerta não é o mesmo que diagnóstico) em familiares ou pessoas próximas a nós. Às vezes, os pais ou familiares estão alheios à situação. O quê fazer em uma ocasião como essa? Não existe “receita de como agir” em um cenário tão delicado. Apenas podemos dizer que, quando se possui informações corretas e uma real vontade de ajudar, aliadas a uma postura sensível e empática, haverá o potencial para superar grandes obstáculos, como a negação, o medo e o preconceito. Esses são muito comuns, ainda mais em momentos de fragilidade.