Sofrimento emocional na gestação
Transtornos e sintomas psiquiátricos são frequentes, especialmente, no primeiro e no terceiro trimestres de gestação e nos primeiros 30 dias de puerpério. Os fatores envolvidos na alta prevalência dizem respeito às diversas dimensões da gravidez e da maternidade. Além de alterações hormonais, que provocam transformações no comportamento e no psiquismo, gravidez e maternidade implicam várias mudanças na inserção social. Outros fatores como poucos recursos materiais, alta demanda ocupacional, responsabilidades domésticas intensas e relações familiares conflituosas podem piorar a situação.
A ponderação relativa aos riscos da exposição às medicações versus o impacto de uma doença não tratada nos resultados obstétricos e no desenvolvimento infantil tornam-se um grande dilema para o clínico e para a paciente. O que ambos precisam levar em conta é que não há escolha livre de risco.
As reações da gestante estão vinculadas a alterações metabólicas, principalmente no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), que de modo peculiar podem influenciar o feto. Sua exposição a um ambiente uterino desfavorável tem sido associada ao aumento significativo de doenças na idade infantil e adulta, fenômeno denominado programação fetal.
Até 70% das pacientes têm sintomas depressivos durante a gravidez, sendo que de 10 a 16% preenchem critérios para o diagnóstico de depressão.
Os transtornos do humor do puerpério dividem-se, classicamente, em quadros de depressão mais leve, chamados de disforia do pós-parto e depressão. Disforia pós-parto (puerperal blues) é um fenômeno extremamente comum e considerado fisiológico por alguns autores. Até 85% das puérperas descrevem algum grau de tristeza ou humor depressivo nos primeiros dias do pós-parto. Essa incidência diminui a partir do décimo dia de puerpério. Normalmente, esses sintomas depressivos são leves, acompanhados de labilidade emocional, irritabilidade, tensão e sentimentos de inadequação. Não chegam a comprometer o funcionamento social ou a relação da mãe com o recém-nascido. A remissão espontânea dos sintomas sugere que não há necessidade de tratamento médico. A persistência do humor depressivo deve ser encarada como uma possível depressão maior, o que necessita de avaliação especializada e tratamento adequado.
Lamentavelmente, sintomas e sinais francamente depressivos durante a gravidez muitas vezes não são adequadamente percebidos e avaliados. Essa desvalorização de manifestações clínicas depressivas por parte das próprias gestantes, familiares e médicos tem relação com o mito de que a gestação deva ser necessariamente um período de bem-estar mental. Neste contexto cultural, muitas gestantes sentem-se culpadas por não estarem felizes e com vergonha de pedirem ajuda.
De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a paciente com depressão na gestação apresenta uma gravidez de alto risco. No entanto, somente cerca de 14% das grávidas com depressão realizam algum tipo de tratamento.
A depressão da gestação está associada a um maior risco de: crescimento intrauterino restrito; pré-eclâmpsia; DM gestacional; prematuridade; baixo peso ao nascer; escores de Apgar mais baixos; prejuízos no desenvolvimento infantil (cognitivos, sociais, afetivos); dificuldades na amamentação; vínculo inseguro entre mãe e criança; depressão pós-natal; uso materno de álcool, tabaco e outras drogas; abortamento; e suicídio materno.
Independentemente da terapia medicamentosa, o TB na gestação está associado a maiores riscos de: uso de álcool, tabaco e outras drogas; malformações congênitas (p. ex., microcefalia); prematuridade; baixo peso ao nascer; placenta prévia; hemorragias; prejuízos no desenvolvimento infantil (cognitivos, sociais, afetivos). Portanto, a manutenção ou mesmo o início de tratamento farmacológico de prevenção à recorrência de TB durante o período perinatal é uma conduta pertinente.
A prevalência do transtorno de ansiedade generalizada é em torno de 2% a 6% na população geral; a prevalência mínima é de 8,5% na gravidez e 4,4% no pós-parto.
Estudos mostram que a ansiedade durante a gestação é fator de risco independente para trabalho de parto prematuro e depressão pós-parto. Outras consequências são baixo peso ao nascer, maior necessidade de analgésicos durante o parto e dificuldade de amamentar
Deve-se considerar que episódios psiquiátricos não tratados estão associados à maior probabilidade de importantes intercorrências obstétricas, maternas, neonatais e puerperais, com implicações negativas para o desenvolvimento da criança e para as relações familiares. Portanto, na ausência de uma alternativa terapêutica apropriada, evitar o uso pertinente de medicamento psiquiátrico como meio de garantir gravidez ou amamentação livres de riscos é uma estratégia contestável.
As experiências emocionais e o estabelecimento contínuo e permanente dos vínculos atuarão na estrutura neurobiológica da criança, com a modelação de circuitos neuronais, resultando em reforços ou modificações de comportamentos.
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