Manejo psicológico de pacientes com ideação suicida

Diante de dados tão alarmantes, nós psicólogos devemos estar preparados para receber em nossos atendimentos clínicos pessoas que já tentaram e/ou pensaram sobre isso.

* Por Laís Pereira

Manejo psicológico de pacientes com ideação suicida.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde cerca de 1 milhão de pessoas cometem suicídio anualmente, estima-se que para cada suicídio ocorrido haja cerca de 20 tentativas. O suicídio encontra-se entre as 10 principais causas de morte em todo o mundo e a projeção para 2020 é de 1,5 milhões de mortes por autoextermínio.

Diante de dados tão alarmantes, nós psicólogos devemos estar preparados para receber em nossos atendimentos clínicos pessoas que já tentaram e/ou pensaram sobre isso.

Meu paciente pensa em se matar, o que fazer?

Podemos considerar que existem “estágios” no desenvolvimento da intenção suicida, iniciando-se, geralmente, com a imaginação ou a contemplação dessa ideia. Em seguida, ocorre o desenvolvimento de um plano de como se matar que pode ser implementado por meios de ensaios realísticos ou imaginários e por fim, a ação destrutiva concreta. Contudo, não podemos esquecer que o resultado de um ato suicida depende de uma variedade de fatores e nem sempre envolve um planejamento.

Em geral, paciente com ideação suicida apresentam algumas características, são elas:

Ambivalência: querem a morte e também querem viver. Isso acontece porque ao mesmo tempo em que há sofrimento psíquico há também outros fatores* na vida do indivíduo que o trazem satisfação e motivação para viver.

* Essa é a condição que nos permite trabalhar a prevenção do suicídio.

Impulsividade: como qualquer outro impulso, o impulso de cometer suicídio pode ser transitório e durar alguns minutos ou horas e normalmente são desencadeados por eventos negativos do dia-a-dia.

Rigidez/Constrição: os pensamentos passam a ser dicotômicos, do tipo tudo ou nada, ou seja, a pessoa tem seus pensamentos, sentimentos e comportamentos restritos ao suicídio, tendo boa parte do seu tempo tomado por esse funcionamento e restringindo a solução do que ocorre ao suicídio, não sendo capaz de perceber outras maneiras de solucionar o problema. São pensamentos rígidos e drásticos.

Sentimentos de depressão, desesperança, desamparo e desespero.

A maioria das pessoas com ideias de morte comunica seus pensamentos e intenções, frequentemente dão sinais e fazem comentários sobre querer morrer, sentimento de não valer nada e etc. Esses pedidos de ajuda não podem ser ignorados.

Diante disso, a primeira conduta terapêutica perante uma ideação suicida deve ser avaliar o risco da situação considerando os estágios e características citados acima. Quando o risco é alto, ou seja, o paciente apresenta desespero, tormento psíquico intolerável, não vê saída da situação que se encontra, tentativa de suicídio prévia, abuso/dependência de substâncias, tem um plano definido para se matar e meios para fazê-lo e já tomou providências para o ato como se despedir das pessoas e escrever cartas, é preciso agir de forma IMEDIATA de forma a manter a pessoa segura, muitas veze sendo necessária a internação. A segurança do paciente toma precedência sobre a confidencialidade e portanto, a quebra do sigilo profissional contatando familiares e amigos é necessária e prevista no Código de Ética Profissional do Psicólogo.

Quanto ao paciente é de suma importância acolher, ouvir e mostrar a ele que o setting terapêutico é um ambiente seguro, de confiança e não julgamento. As sessões devem ocorrer com menor espaço entre uma e outra quando o risco de suicídio for alto e também é aconselhável realizar contatos telefônicos entre as sessões. Uma vez em segurança, os objetivos terapêuticos passam a ser o desenvolvimento de um plano de segurança ou plano de crise junto com o paciente. Durante sua execução é dada atenção a identificação de situações (gatilhos) que costumam desencadear ideação suicida e as estratégias que podem ser desenvolvidas (coping) para enfrentá-los. Algumas estratégias estão associadas a maneiras de permanecer longe de objetos que possam ser usados para se autoagredir, atividades que costumam reduzir a ansiedade e desenvolvimento de uma lista de boas razões para continuar vivo. Dessa forma, o objetivo do tratamento e do plano de segurança será reduzir a impulsividade, diminuir a ambivalência valorizando o desejo pela vida e ampliar a percepção sobre os fatos através da flexibilização cognitiva e diminuição dos pensamentos dicotômicos.

A família do paciente

Por vezes, os familiares podem ficar assustados e resistentes às orientações dos profissionais por serem tomados por sentimentos contraditórios como: preocupação, medo, raiva, esperança, banalização, culpa, cansaço, entre outros. Por isso, o profissional deve adotar uma postura de apoio emocional e prático.

Ao mesmo tempo em que amigos e familiares se preocupam, eles podem se sentir muito desconfortáveis diante do comportamento do paciente. É normal a ambivalência também acontecer com eles, é normal não saber ao certo como agir e também dizer ou fazer algo e depois arrepender. É uma situação de crise que exige mudanças na rotina e cuidados intensivos, funções para as quais não estavam preparados e portanto, pode haver insegurança, cansaço e desgaste emocional. Dante disso,é importante que os familiares busquem suporte e procurem profissionais que poderão ajudá-los. Dessa forma, será possível compreender os pensamentos e sentimentos que os deixa apreensivos e confusos e buscar um entendimento mais realista e as melhores soluções possíveis. Além disso, é possível desenvolver melhor comunicação entre os familiares e destes com o paciente.

Toda essa comunicação entre profissionais e familiares e amigos é feita com o intuito de se criar uma rede de proteção, por isso, ela não acontece apenas com pacientes menores de idade. Caso o paciente não concorde com essa proposta, ainda assim o contato deve ser realizado e o risco de suicídio deve ser exposto.

É necessários que as informações sejam objetivas e claras, sem eufemismos sobre o risco de suicídio e é importante ressaltar que nessa comunicação o psicólogo deve ter muito tato no repasse das informações e ao responder possíveis questionamentos dos familiares e amigos pois a intimidade do paciente deve ser preservada. Por fim, é necessário que a família e amigos estabeleçam um ambiente de compreensão e apoio que esteja pronto para a ação caso seja necessário.

Todos os esforços vão em direção da prevenção pois a vida vale muito.

Referências:

Botega, J. N. (2015) Crise Suicida Avaliação e Manejo.

Conselho Federal de Psicologia (2005) Código de Ética Profissional do Psicólogo.

Organização Mundial de Saúde (2004) El suicidio, un problema de salud pública enorme y sin embargo prevenible, según la OMS. Recuperado em: https://www.who.int/mediacentre/news/releases/2004/pr61/es/

Setembro Amarelo e prevenção do suicídio

O suicido é um sério problema de saúde pública, dessa forma a prevenção não é uma tarefa fácil. Uma estratégia nacional de prevenção vem sendo organizada no Brasil desde 2015, nomeada de Setembro Amarelo…

* Por Fabrício de Oliveira

O suicido é um sério problema de saúde pública, dessa forma a prevenção não é uma tarefa fácil. Uma estratégia nacional de prevenção vem sendo organizada no Brasil desde 2015, nomeada de Setembro Amarelo.

  • De acordo com dados do Ministério da Saúde, no mundo, o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens entre 15 a 29 anos. Um indivíduo em sofrimento dá alguns sinais e seus familiares ou pessoas próximas devem estar atentos, pois isso pode ser o primeiro e o mais importante passo. Além disso, é importante sabermos que existe ajuda disponível e extremamente necessária nesse caso.
  • Os sinais dados pelas pessoas que sofrem não devem ser interpretados como ameaças nem como chantagens emocionais, mas sim como avisos de alerta para um risco real. Por isso, é muito importante ser compreensivo, além de estar disposto a conversar e escutar a pessoa sobre o porquê de tal comportamento, criando um ambiente tranquilo, sem julgar a pessoa afetada.
  • Conversar abertamente com a pessoa sobre seus pensamentos suicidas não a influenciará a completá-los. Ao falar sobre esse assunto, você pode descobrir como ajudá-la a suportar sentimentos muitas vezes angustiantes e incentivá-la a procurar apoio profissional.

Alguns sinais importantes que a pessoa com risco suicida apresenta:

  • Preocupação com sua própria morte ou falta de esperança.
  • Expressão de ideias ou de intenções suicidas.
  • Se isolam ainda mais.

Alguns fatores de risco para o suicídio

Transtornos mentais (em participação decrescente nos casos de suicídio):

  • transtornos do humor (ex.: depressão);
  • transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas (ex.: alcoolismo);
  • transtornos de personalidade (principalmente borderline, narcisista e anti-social);
  • esquizofrenia;
  • transtornos de ansiedade;
  • comorbidade potencializa riscos (ex.: alcoolismo + depressão).

Sociodemográficos:

  • sexo masculino;
  • faixas etárias entre 15 e 35 anos e acima de 75 anos;
  • estratos econômicos extremos;
  • residentes em áreas urbanas;
  • desempregados (principalmente perda recente do emprego);
  • aposentados;
  • isolamento social;
  • solteiros ou separados;

Condições clínicas incapacitantes:

  • doenças orgânicas incapacitantes;
  • dor crônica;
  • lesões desfigurantes perenes;
  • epilepsia;
  • trauma medular;
  • neoplasias malignas;

Atenção! Os principais fatores de risco para o suicídio são:

  • história de tentativa de suicídio;
  • transtorno mental (principalmente: transtorno afetivo bipolar, depressão grave, esquizofrenia, transtorno de personalidade e dependência química).

DIANTE DE UMA PESSOA SOB RISCO DE SUICÍDIO, O QUE SE DEVE FAZER:

  • Encontre um momento apropriado e um lugar calmo para falar sobre suicídio com essa pessoa. Deixe-a saber que você está lá para ouvir, ouça-a com a mente aberta e ofereça seu apoio.
  • Incentive a pessoa a procurar ajuda de profissionais de serviços de saúde, de saúde mental, de emergência ou apoio em algum serviço público. Ofereça-se para acompanhá-la a um atendimento.
  • Se você acha que essa pessoa está em perigo imediato, não a deixe sozinha. Procure ajuda de profissionais de serviços de saúde, de emergência e entre em contato com alguém de confiança, indicado pela própria pessoa.
  • Se a pessoa com quem você está preocupado(a) vive com você, assegure-se de que ele(a) não tenha acesso a meios para provocar a própria morte (por exemplo, pesticidas, armas de fogo ou medicamentos) em casa.
  • Fique em contato para acompanhar como a pessoa está passando e o que está fazendo.
  • Reconheça o suicídio como uma escolha, mas não a aceite como uma escolha “normal”.

DIANTE DE UMA PESSOA SOB RISCO DE SUICÍDIO, O QUE NÃO SE DEVE FAZER:

Não condenar/ julgar:

  • “Isso é covardia.”
  • “É loucura.”
  • “É fraqueza.”

 Não banalizar:

  • “É por isso que quer morrer? Já passei por coisas bem piores e não me matei.”

Não opinar:

  • “Você quer chamar a atenção.”
  • “Te falta Deus.”
  • “Isso é falta de vergonha na cara.”

Não dar sermão:

  • “Tantas pessoas com problemas mais sérios que o seu, siga em frente.”

Não falar simplesmente frases de incentivo vazias:

  • “Levanta a cabeça, deixa disso.”
  • “Pense positivo.”
  • “A vida é boa.”

Onde buscar ajuda:

  • Serviços de Saúde:

CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde).

  • Emergência Emergência:

SAMU 192, UPA, Pronto Socorro e Hospitais.

  • Centro de Valorização da Vida:

CVV 181 (ligação gratuita) ou www.cvv.org.br para chat, Skype, e-mail para falar com os voluntários que dão suporte emocional e prevenção do suicídio a todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo 24 horas todos os dias.

  • Profissionais de saúde mental de sua confiança.

Entrevista Motivacional

A Entrevista Motivacional consiste num modelo de abordagem com vistas à promoção de mudanças de comportamento para um estilo de vida mais saudável. Clique para ler mais.

* Por Alexandre de Rezende

Entrevista motivacional

As pessoas mudam de várias maneiras e por inúmeros motivos. Assim começa o prefácio do livro “Entrevista motivacional – Preparando as pessoas para a mudança de comportamentos adictivos”, dos autores Miller e Rollnick. A Entrevista Motivacional consiste num modelo de abordagem com vistas à promoção de mudanças de comportamento para um estilo de vida mais saudável. Ou seja, a Entrevista Motivacional é uma abordagem criada para ajudar o paciente a desenvolver um comprometimento e a tomar a decisão de mudar.

Esse modelo foi desenvolvido pelos psicólogos William Miller e Stephen Rollnick na década de 1990, inicialmente para o aconselhamento relacionado ao uso e abuso de álcool e outras drogas, mas atualmente tem sido utilizado no contexto de diversas doenças crônicas. O grande objetivo dessa abordagem é evocar as motivações internas do paciente para promover as mudanças comportamentais de acordo com os interesses que ele tem na melhoria de sua saúde.

Alguns conceitos são primordiais na Entrevista Motivacional: motivação, prontidão para a mudança e ambivalência.

A motivação é um estado de prontidão ou de avidez para a mudança, que pode oscilar de tempos em tempos ou de uma situação para outra. Essa condição também pode ser influenciada por fatores externos ou até mesmo por outras pessoas.

Já a ambivalência, ou seja, a existência de sentimentos conflitantes e opostos em relação à mudança é considerada normal. A força é maior quando um paciente quer mudar, não só para evitar as consequências do comportamento prejudicial, mas também quando encara a mudança como um caminho para alcançar uma vida melhor, mais prazerosa, longa e saudável. Evocar no paciente emoções positivas, como esperança, amor e alegria, e cognições, como autoeficácia e aceitação, tendem a ampliar suas possibilidades pessoais de considerar e experimentar a mudança. Assim sendo, a entrevista motivacional pretende ajudar o indivíduo a resolver essa ambivalência e colocar a pessoa em movimento no caminho para a mudança.

Os psicólogos James Prochaska e Carlo Di Clemente (1982) descreveram uma série de estágios pelos quais as pessoas passam no curso da modificação de um problema.

Estágios

Pré-contemplação: a pessoa não está considerando a possibilidade de mudança, porque nem sequer identificou ter um problema.

O que fazer? Aumentar a percepção do paciente sobre os riscos e problemas do comportamental atual.

Contemplação: a pessoa pensa na possibilidade de mudar seu comportamento. Mas esse período é caracterizado pela ambivalência, o indivíduo fica dividido entre os motivos de preocupação e as razões para manutenção daquele comportamento.

O que fazer? “Inclinar a balança” – evocar as razões para a mudança, os riscos de não mudar.

Preparação para a ação: a pessoa desenvolve um plano ou estratégias para a mudança de comportamento. Esse período é como uma janela que se abre para a oportunidade de mudança.

O que fazer? Ajudar o paciente a determinar a melhor linha de ação a ser seguida na busca da mudança.

Ação: a pessoa se engaja em ações específicas para chegar a uma mudança.

O que fazer? Ajudar o paciente a dar passos rumo à mudança.

Manutenção: a pessoa tem o desafio de manter a mudança obtida e evitar a recaída, isto é, o retorno ao comportamento anterior. A manutenção de uma mudança pode exigir um conjunto de habilidades diferentes das que foram primeiramente necessárias para a obtenção da mudança.

O que fazer? Ajudar o paciente a identificar e a utilizar estratégias de prevenção de recaída.

Como já dito, a Entrevista Motivacional enfatiza a motivação do paciente para o processo necessário de mudança e entende que o estilo do terapeuta tem um papel fundamental. Assim sendo, a essência da Entrevista Motivacional implica na presença de três atitudes preponderantes do profissional da saúde em relação com paciente: colaboração, evocação e respeito pela autonomia do indivíduo. O profissional deve ser unir a seu paciente, formando uma equipe, e gentilmente oferecer e compartilhar sua experiência, e em parceria com ele, explorar e resolver a ambivalência. A responsabilidade pela mudança é deixada para o paciente.

A Entrevista Emocional é composta por 5 princípios gerais:

  1. expressar empatia

A atitude que fundamenta o princípio da empatia pode ser chamada de aceitação. Isso significa acolher, aceitar e entender o que o paciente diz, sem fazer julgamentos a seu respeito.

  1. desenvolver discrepância

Mostrar para o paciente a discrepância entre o seu comportamento, suas metas pessoais e o que pensa que deveria fazer para atingir essa meta.

  1. 3. evitar a confrontação

Abordagens de confronto tornam o paciente resistente à intervenção.

  1. lidar com a resistência do paciente

Se a ambivalência e a resistência para a mudança de comportamento podem ser consideradas normais, a atitude do profissional deve ser no sentido de levar o paciente a considerar novas informações e alternativas.

  1. fortalecer a autoeficácia do paciente

Autoeficácia refere-se à crença de uma pessoa em sua capacidade de realizar e de ter sucesso em uma tarefa específica.

 

Referências bibliográficas:

FIGLIE, N.B.; SALES, C. Capítulo 23 – Entrevista Motivacional. In: DIEHL, A.; CORDEIRO, D.C.; LARANJEIRA, R. Dependência Química: prevenção, tratamento e políticas públicas. – 2 ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019.

MICHELI, D.; FORMIGONI, M.L.O.S.; CARNEIRO, A.P.L Capítulo 2 – Como motivar usuários de risco. In: SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS. SUPERA: Sistema para detecção do uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas. Intervenção Breve: módulo 4. – 11 ed. – Brasília, 2017.

MILLER, W.R.; ROLLNICK, S. Entrevista Motivacional: preparando pessoas para a mudança de comportamentos adictivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.

Dia do Psicólogo

Ser psicólogo me ensinou a acreditar no potencial que existe dentro de cada um de nós. O que implica em reconhecer com consciência, amor e coragem, que junto de nossos melhores ou piores momentos…

* Por Prof. Dr. Leonardo Martins

Ser psicólogo me ensinou a acreditar no potencial que existe dentro de cada um de nós. O que implica em reconhecer com consciência, amor e coragem, que junto de nossos melhores ou piores momentos, sempre temos um convite para seguirmos em direção à melhor versão de nós mesmos. A história de cada um, junto do contexto atual a que estamos submetidos, invariavelmente faz com que obstáculos em nosso caminho diminuam a clareza com que enxergarmos nossa própria potência. Ainda assim, mesmo diante deste véu que surge frente aos obstáculos que nos limitam, sempre será possível que a angústia resultante nos convide a desafiar o que parece sem solução – seja mudando por completo nossa direção, seja aceitando de forma compreensiva que alguns limites podem fazer parte de nossa história, sem que isso remova a possibilidade de seguirmos adiante.

Um guia que se mostra sempre à mão diante deste convite surge da imagem que cada que podemos construir ao pensarmos cuidadosamente sobre uma vida que possa valer à pena ser vivida. Do lugar em que nos encontramos, até os arredores deste lugar que desejamos chegar, uma série de possibilidades emergem, ainda que em meio a um sem fim de obstáculos e incertezas. Não é raro desejarmos uma linha reta, direta e sem interrupções que seguiria de onde estamos até onde queremos chegar. Apesar de ser válido desejarmos que nossas vidas sejam assim, poucas histórias seguem essa linearidade. Atalhos impensados, curvas, serras, descidas e subidas tornam-se muitas vezes as únicas opções disponíveis para seguirmos em frente. Não é raro ainda que voltar ao começo ou seguir na direção que parece contrária, possa ser na verdade nossa única forma de seguirmos mais adiante. Até mesmo esperar parado por um tempo, pode ser o mais sensato para nos recuperarmos e irmos adiante.

Com maior ou menor clareza, e a depender de como estão os dias, é bem assim que vejo uma parte da vida. Partimos de algum lugar que não conhecemos tão bem quanto gostaríamos, e seguimos para algum outro que por mais difícil que seja acreditarmos, estará sempre aberto em possibilidades. O caminho que fizemos é o que caminho que caminhamos; e guarda nossas dores e delícias, ambas em proporções particulares e nem sempre tão bem divididas quanto gostaríamos. Assim seguimos, carregando em nós um pouco destes lugares em que passamos. Ao seguir também guardamos sempre em potência a possibilidade dos lugares por onde ousaremos passar.

Dessa forma, conectando cada um destes lugares visitados e por visitar, vamos vendo a trajetória que escolhemos ou que nos foi imposta contingências que não prevíamos. Ao olhar onde estamos, vemos vestígios de onde passamos e o vislumbre da direção e sentido que podemos buscar. Não é raro que deste esforço consciente surjam uma multiplicidade de possibilidades, algumas mais reais do que as outras, mas todas compartilhando a essência que guarda cada destino possível. A cada caminho escolhido por mais beleza que possamos encontrar, temos que lidar sempre com o fato de termos renunciado a tantos outros. Não é raro que a nossa história e nosso contexto atual nos faça refletir sobre o assunto, colocando à mesa as possibilidades perdidas ou múltiplos das que podem ainda ser vividas. Raramente este exercício é por si só bem-sucedido, é o comum que o múltiplo do possível ou do deixado para traz possa nos fazer sentir sem rumo na estrada. Ao nos depararmos com esta sensação, é comum que fiquemos paralisados, que ignoremos a questão ou que sigamos por um caminho que não era de fato nosso. Como consequência, ao invés de resolvermos o que nos aflige, mais hora menos hora a ausência de sentido grita por meio do desânimo, da falta de motivação, ansiedade, compulsões e outras manifestações que se dão no corpo e na mente.

É difícil saber a razão ou o momento exato, mas como psicólogo invariavelmente meu caminho se cruza com alguém que está experimentando um desafio nesta caminhada que vai de onde estamos para onde queremos chegar. Cada qual, diante de sua história única, busca algo que é por princípio especial. Às vezes, uma intenção é encontrar uma direção mais clara, por vezes o objetivo é buscar uma direção menos óbvia. Por outros momentos é voltar pelo caminho já conhecido, mas talvez com um novo ritmo, passando pelas dificuldades que negligenciamos. Independente do motivo ou do desafio, acreditar no potencial de desenvolvimento inerente a cada um de nós me ensinou que de um ponto ao outro, seja da forma que for, sempre será possível buscarmos um sentido e um ritmo que nos leva pela a estrada de uma vida que possa valer a pena.

Por falar no assunto, uma vida que vale à pena ser vivida, por mais que seja planejada e que receba toda nossa atenção e esforço, invariavelmente apresentará barreiras, obstáculos, perdas ou mesmo paisagens que não gostaríamos de ter presenciado. Muitos destes desafios estão completamente fora de nosso controle, tal como fatalidades ou mesmo a pandemia que vivemos em 2020. A clareza em estarmos seguindo de forma coerente com nossos valores e com o que de fato nos importa, não elimina muitos destes obstáculos, mas pode fazer com que cada um destes desafios seja tomado diante do tamanho que possuem, mas sobretudo como parte de nossas histórias e não como pontos finais. Nesse sentido, descobrir nossa potência envolve por vezes aceitar tais condição e limites para seguirmos em frente. A sabedoria em aceitar o que não podemos mudar e o que está fora de nosso controle, não elimina a dor de uma perda ou seus prejuízos, mas nos liberta para seguirmos em frente ao invés de seguirmos paralisados tentando mover do caminho uma montanha que lá sempre esteve e que por lá sempre permanecerá. Despertar potência é reconhecer tal montanha e mover-se apesar dela. Aqui não se trata de um otimismo ingênuo, mas talvez exatamente o contrário disso. Trata-se de perdermos a esperança em resolver nossos destinos insistindo nas soluções ou caminhos que não nos tem ajudado, para então seguirmos em direção a uma nova alternativa.

No dia do psicólogo(a), meu depoimento atravessa o caminho deste texto, que por sua vez atravessa parte dos caminhos que percorro em meu exercício profissional ao lado de quem acompanho. Para terminar, reforço o convite cotidiano que Proust nos faz e que costumo refazer aos meus pacientes, clientes, supervisandos, alunos de mestrado e doutorado. O convite considera tudo que já escrevi acima, mas reconhece que o início da verdadeira viagem de descobrimento não precisa começar pela busca de caminhos ou paisagens ainda não vistos, mas sim por vermos a nós mesmos com novos olhos. A minha profissão pode ser descrita de diferentes maneiras e constituir-se de um sem fim de intervenções baseadas no melhor conhecimento disponível, mas confesso que quase sempre começo por esse convite e sigo por essa história.

Automedicação e seus riscos

A automedicação é uma prática caracterizada fundamentalmente pela iniciativa de uma pessoa, ou de seu responsável…

* Por Fernanda Rezende

A automedicação é uma prática caracterizada fundamentalmente pela iniciativa de uma pessoa, ou de seu responsável, em obter e utilizar um produto que acredita lhe trazer benefícios no tratamento de uma doença ou alívio de sintomas. Assim, a orientação médica é substituída inadvertidamente por sugestões de medicamentos provenientes de pessoas não autorizadas, entre estas, familiares, amigos ou balconistas em farmácias. Outra forma de automedicação seria a reutilização de receitas.

As razões pelas quais as pessoas se automedicam são inúmeras. A propaganda desenfreada e massiva de determinados medicamentos contrasta com as tímidas campanhas que tentam esclarecer os perigos da automedicação. A dificuldade e o custo de se conseguir uma opinião médica, a limitação do poder prescritivo, restrito a poucos profissionais de saúde, o desespero e a angústia desencadeados por sintomas ou pela possibilidade de adquirir uma doença; o acesso a algumas informações pela internet ou outros meios de comunicação, a falta de regulamentação e fiscalização daqueles que vendem e a falta de programas educativos sobre os efeitos muitas vezes irreparáveis da automedicação, são alguns dos motivos que levam as pessoas a utilizarem medicamentos mais próximos.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, em todo o mundo, mais de 50% de todos os medicamentos receitados são dispensados ou vendidos de forma inadequada. Cerca de um terço da população mundial tem carência no acesso a remédios essenciais e metade dos pacientes tomam medicamentos de forma inadequada (1). No Brasil, a prevalência de automedicação na população adulta em alguns estudos de boa qualidade metodológica foi de 35% (2). Aproximadamente, um terço das hospitalizações no Brasil se devem ao uso incorreto de medicamentos (3).

Os riscos da automedicação para o indivíduo são o atraso no diagnóstico ou o diagnóstico incorreto, devido ao mascaramento dos sintomas, possibilitando o agravamento do problema, a escolha do medicamento inadequado, a administração incorreta, dosagem inadequada e uso excessivamente curto ou prolongado da medicação, a dependência, reações alérgicas e intoxicações. Além do impacto sobre a vida humana, as reações adversas a medicamentos também influenciam significativamente nos custos despendidos com saúde.

Em uma sociedade, os hábitos de consumo de medicamentos podem ser afetados positivamente pelas políticas nacionais quando promovem a regulamentação do suprimento e a disponibilização racional de medicamentos essenciais, pressupondo o acesso ao diagnóstico e prescrição por profissionais habilitados. Por outro lado, o consumo pode ser influenciado negativamente pelo acesso sem barreiras e pela promoção e publicidade de medicamentos, que muitas vezes estimulam a utilização desnecessária e irracional. Os governos precisam conhecer as razões e as formas de uso irracional de medicamentos, é necessário ter informações específicas para verificar a magnitude desse problema, identificar estratégias e monitorar o impacto das possíveis intervenções.

Não há como acabar com a automedicação, talvez pela própria condição humana de testar e arriscar decisões. Há, contudo, meios para minimizá-la. Programas de orientação para profissionais de saúde, balconistas e população em geral, além do estímulo a fiscalização apropriada, são fundamentais nessa situação.

Medicamentos Psicotrópicos

Os medicamentos psicotrópicos têm como principal objetivo o tratamento de pessoas em sofrimento psíquico, contudo, são prescritos e utilizados para as mais diversas situações. O uso exacerbado desses medicamentos é um fato na sociedade atual, gerando preocupação entre as autoridades de saúde, pois é sabido que a utilização prolongada dos psicofármacos, além de efeitos colaterais indesejáveis, alguns podem provocar dependência química e geram dificuldades quanto ao término do tratamento.

Segundo informações obtidas no Relatório do Departamento Internacional de Controle de Narcóticos, da Organização das Nações Unidas (ONU), apesar do grande número de pessoas em sofrimento psíquico, o uso de medicamentos controlados e específicos vem aumentando consideravelmente.

A sociedade atual apresenta características diferenciadas e estas trazem implicações variadas sobre os sujeitos. O ritmo de vida acelerado, as cobranças por produtividade, a necessidade de demostrar felicidade e bem-estar a todo custo, o imediatismo que permeia as relações, a rapidez de acesso às informações, o desenvolvimento científico; enfim, este conjunto de fatores pode levar os sujeitos à busca por soluções rápidas e práticas aos problemas decorrentes dessa realidade.

Por todo o exposto, concluímos que a automedicação é um grande risco para a nossa saúde! Assim sendo, devemos sempre buscar a orientação de profissionais habilitados para realizar o diagnóstico e propor o melhor tratamento. No caso da saúde mental, essas intervenções passam pelo uso de medicações, mas certamente deve incluir outras condutas, podendo-se citar a realização de atividade física e, sobretudo, o acompanhamento psicoterápico. Em relação aos psicotrópicos, o uso consciente e sob orientação correta trará benefícios, tais como a melhora na qualidade de vida, sem representar um dano para os pacientes.

Referências Bibliográficas

  1. Wannmacher L. Condutas baseadas em evidências sobre medicamentos utilizados em atenção primária à saúde. Uso racional de medicamentos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012. p. 9-14.
  2. Domingues MG et al. Prevalence of self-medication in the adult population of Brazil: a systematic review. Rev. Saúde Pública. 2015; 49:36.
  3. Aquino D. Por que o uso racional de medicamentos deve ser uma prioridade? Cienc Saúde Coletiva. 2008; 13 (suppl):733-6.

O que é avaliação neuropsicológica?

Saiba o que é uma avaliação neuropsicológica.

* Por Sabrina Gomes

Você já ouviu falar em Avaliação Neuropsicológica? Neste texto, vamos explicar o que é a Avalição Neuropsicológica, como é realizada e quando ela é indicada.

O QUE É AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA?

Primeiramente, é importante compreendermos que a neuropsicologia é um campo de conhecimento interessado em estudar a relação entre o funcionamento do cérebro e o comportamento humano. Ela se apoia, principalmente, em conhecimentos das neurociências e da psicologia, buscando contribuir para o tratamento de alterações cognitivas e comportamentais.

A Avaliação Neuropsicológica é um procedimento de investigação detalhado que tem como objetivo avaliar as funções cognitivas do indivíduo, tais como, atenção, memória, linguagem, entre outras. Além disso, o processo de avaliação também se concentra em aspectos sociais, emocionais e funcionais da pessoa.

A partir das informações colhidas, pode-se estabelecer o Perfil Neuropsicológico do paciente, identificando suas potencialidades e dificuldades. Estas informações são muito importantes para auxiliar no diagnóstico e no planejamento de um tratamento mais eficiente.

COMO É FEITA A AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA?

A Avaliação Neuropsicológica é solicitada quando há a necessidade de um diagnóstico clínico mais amplo. Nesses casos, a avaliação pode ser requerida por um psiquiatra ou neurologista, dependendo do caso, para auxiliar na identificação das causas de problemas enfrentados pela pessoa no cotidiano (por exemplo, desempenho acadêmico e/ou profissional abaixo do esperado, problemas ao fazer tarefas diárias habituais, déficit em habilidades sociais, entre outros).

Uma parte essencial da avaliação neuropsicológica é a administração de testes neuropsicológicos e questionários. Além disso, outros dois procedimentos são extremamente importantes: a observação e as entrevistas clínicas com diferentes informantes. A quantidade de sessões irá depender de cada pessoa e dos conteúdos avaliados. Ao final do processo, o (a) neuropsicólogo (a) emite um laudo neuropsicológico, que consiste em um documento com os resultados da avaliação. Este documento contém a síntese dos resultados encontrados, com recomendações pertinentes ao caso, visando promover o desenvolvimento do paciente e, consequentemente, melhorar sua qualidade de vida.

QUANDO É INDICADA?

A Avaliação Neuropsicológica é indicada, principalmente, quando há suspeita diagnóstica de transtornos psiquiátricos ou do neurodesenvolvimento. Por exemplo:

– Transtornos de Aprendizagem

– Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

– Demências

– Transtornos de Ansiedade

– Deficiência Intelectual

– Transtorno do Espectro Autista

Referência bibliográfica

Fuentes, D., Malloy-Diniz, L. F., de Camargo, C. H. P., & Cosenza, R. M. (2014). Neuropsicologia: Teoria e Prática. Artmed Editora.

Acompanhamento psicológico e cirurgia bariátrica

A obesidade é uma doença crônica e multifatorial que, atualmente, representa um grave problema de saúde pública, afeta todas as faixas etárias e está relacionada à redução na expectativa de vida, por causar diversos danos à saúde física e mental do indivíduo.

* Por Laís Pereira

Acompanhamento psicológico e cirurgia bariátrica

A obesidade é uma condição crônica e multifatorial que, atualmente, representa um grave problema de saúde pública, afeta todas as faixas etárias e está relacionada à redução na expectativa de vida, por causar diversos danos à saúde física e mental do indivíduo.

As pesquisas mostram que fatores psicológicos como estresse, ansiedade, depressão, transtorno da compulsão alimentar, alcoolismo, baixo repertório de habilidades sociais, baixa autoestima, entre outros, podem estar associados ao ganho excessivo de peso, interferem na adesão ao tratamento para emagrecimento, retroalimentam a obesidade e podem aparecer após a realização da cirurgia bariátrica. Além disso, a obesidade, em sua grande maioria, está associada a intenso sofrimento experimentado por conta de uma difícil relação com a alimentação e também por conta do preconceito social. Diante disso, podemos considerar que aspectos psicológicos e emocionais contribuem para o desenvolvimento e a manutenção da obesidade, interferem no tratamento e também podem ser consequências dessa condição na vida do indivíduo. Sendo assim, é fundamental e imprescindível que tais aspectos sejam considerados neste contexto e que psicólogos integrem as equipes multidisciplinares de tratamento da obesidade e do emagrecimento.

A cirurgia bariátrica é uma alternativa dentre os tipos de tratamento para obesidade, mas assim como todos os outros, não garante, por si só, a sua remissão completa. De acordo com a resolução 2131/2015 do Conselho Federal de Medicina, ela é indicada para pessoas com IMC >40 kg/m2 ou >35 kg/m2 e portadores de comorbidades que tenham passado por tratamento clínico prévio insatisfatório por, pelo menos, 2 anos e tenham acima de 18 anos. Além disso, é uma grande cirurgia que envolve riscos e a decisão por fazê-la deve ser muito consciente.

 

Papel do psicólogo na cirurgia bariátrica

O emagrecimento gerado pela cirurgia bariátrica engloba uma série de transformações que afetam as relações do indivíduo consigo e com os outros. Antes mesmo da realização do procedimento, é importante que o paciente tenha conhecimento de tais mudanças e vá para cirurgia sem nenhuma dúvida ou ambivalência.

Ao contrário do que muitos pensam, o psicólogo que realiza a avaliação para cirurgia bariátrica não tem o intuito de barrar o procedimento, mas sim de avaliar se o paciente está emocionalmente apto para a cirurgia, adequar as expectativas de um novo corpo elucidando as possibilidades reais e auxiliá-lo na compreensão de todos os aspectos envolvidos no pré e pós-operatório.

Fase pré-operatória

A fase pré-operatória vai possibilitar a compreensão dos aspectos psicológicos envolvidos na obesidade, aspectos que fazem parte da história de vida do paciente, que exercem uma função importante na sua vida e que, certamente, sofrerão grandes transformações com a cirurgia bariátrica. Por isso, é também uma fase de muitas orientações, autoconhecimento e esclarecimentos, oferecendo ao paciente um melhor nível de entendimento a respeito das mudanças que ocorrerão e se ele está de fato disposto a enfrentar. Caso seja identificada alguma distorção importante ou transtorno mental desajustado, é possível tratar e dar seguimento no processo da cirurgia bariátrica. Com a avaliação e o acompanhamento psicológico na fase pré-operatória bem conduzidos, é possível diminuir o desenvolvimento de transtornos mentais e sofrimento psíquico, bem como o agravamento daquele já existente antes da cirurgia.

Fase pós operatória

A fase pós-operatória é caracterizada pela vivência de todas as transformações imaginadas e orientadas, nesse momento o acompanhamento psicológico auxilia, principalmente, na adaptação. Adaptação aos novos hábitos alimentares e de atividade física, a perda de peso rápida e as mudanças corporais, as novas sensações experimentadas e também a ausência delas, entre outras adaptações, afinal é uma nova vida, uma vida fora da zona de conforto experimentada por ele nos últimos anos e até mesmo décadas. Também pode ocorrer a vivência do sentimento de arrependimento, especialmente nos primeiros dias pós-cirúrgicos que são bastante rigorosos e, portanto, o psicólogo poderá ajudá-lo no enfrentamento desses momentos iniciais. Além disso, mudanças sociais e nos relacionamentos acontecem devido ao aumento da autoestima e das mudanças de comportamento. Com o passar do tempo, o reganho de peso torna-se uma realidade e muitas vezes isso pode trazer angústias ao bariatricado, porém, através do acompanhamento multidisciplinar, é possível superar as dificuldades e manter o reganho dentro do esperado.

Acima de qualquer aspecto específico, o acompanhamento psicológico na cirurgia bariátrica visa trazer consciência e bem-estar ao paciente, ajudando-o a fazer as melhores escolhas para a sua vida.

Leia aqui sobre cirurgia bariátrica e o abuso de álcool.

Referências:

Chaves, L. & Navarro, A. C. (2011). Compulsão Alimentar, Obesidade e Emagrecimento. Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, 5(27), 110-120.

Conselho Federal de Medicina (2015). Altera o anexo da Resolução CFM nº   1.942/10. Resolução n°2131, de 12 de novembro de 2015. Brasília.

Vasques, F., Martins, F. C. & Azevedo, A. P. (2004). Aspectos psiquiátricos do tratamento da obesidade. Revista de Psiquiatria Clínica, 31(4), 195-198.

Terapia Cognitivo-Comportamental baseada nos princípios ACT

Texto pelo Dr. Leonardo Martins, psicólogo da Clínica Rezende.

* Por Dr. Leonardo Martins

Terapia Cognitivo-Comportamental baseada nos princípios da Acceptance and Commitment Therapy (ACT).  

O que é a ACT

A ACT é uma abordagem que surgiu na década de 90. Apesar de recente, conta hoje com estudos científicos que demostram sua efetividade, sendo opção de primeira escolha para o tratamento de diversos transtornos mentais graves, incluindo aqueles relacionados com ansiedade, depressão, esquizofrenia e transtorno por uso de substâncias.

Além destes, estudos também apontam que esta abordagem é efetiva para ajudar pessoas que tiverem prejuízos em sua qualidade de vida fruto da limitação imposta por doenças crônicas, incluindo até mesmo o manejo da dor crônica.

Outros quadros

Diversos outros quadros também podem trabalhados através desta abordagem, tal como estresse no trabalho, ansiedade social, procrastinação, dentre outros eventos associados com desconforto e prejuízos em diversas ordens.

Seguindo uma vertente positiva, a ACT também tem evidências de que pode auxiliar pessoas que não possuem problemas ou transtornos mentais. Estudos demostram que a ACT pode ser útil no desenvolvimento de potencialidades, contribuindo para promoção do bem-estar e qualidade de vida, aprendizagem de novas habilidades, maior flexibilidade diante de desafios, além da busca por uma vida com mais sentido.

O acrônimo ACT significa ação em inglês, pois nosso trabalho é voltado para que nossos pacientes e clientes possam agir em consonância com seus valores, seguindo em direção ao que mais lhes importa.

Nossa busca pode ser resumida em fornecer os meios para que possamos “viver uma vida que possa valer a pena ser vivida”, mudando o que pode ser mudado e aprendendo a aceitar o que não controlamos, para seguirmos em frente.

Diversas emoções, sentimentos, pensamentos ou mesmos hábitos podem representar barreiras para que nossa ação não vá na direção do que importa. Na ACT aprendemos a identificar essas barreiras e a lidarmos de uma nova maneira com elas, buscando em seguida o compromisso com mudanças que sejam importantes de serem feitas.

O corpo tem alguém como recheio

O aspecto relacional da alimentação e a vinculação intrínseca entre a imagem corporal e a constituição do sujeito.

* Por Vívian Hauck

O corpo tem alguém como recheio

Ao longo do mês de Junho, mês da conscientização dos Transtornos Alimentares, a Clínica Rezende se dedicou à produção de conteúdos acerca destes transtornos, visando proporcionar informações confiáveis e também sensibilizar sobre estes quadros clínicos e suas possibilidades de tratamento e suporte. Finalizando esta série de conteúdos, proponho neste texto uma breve reflexão acerca de dois aspectos que permeiam os Transtornos Alimentares: o aspecto relacional da alimentação e a vinculação intrínseca entre a imagem corporal e a constituição do sujeito.

O aspecto relacional da alimentação

“Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?”¹

Não é necessário ser um(a) grande pesquisador(a) para observar, cotidianamente, que o comportamento alimentar é permeado por implicações subjetivas. Um dia de grande alegria, um momento de tristeza, uma mudança brusca de vida, a ansiedade, a paixão, o término de um relacionamento: come-se mais, come-se menos, come-se muito mais, come-se muito menos. A alimentação tem vinculação estreita com a nossa relação com a vida, com o outro e com as vivências emocionais do dia-a-dia.  Não à toa, se nos lembrarmos de que é através da alimentação que vivenciamos nossas primeiras experiências de satisfação na vida, ainda quando bebês.

Neste sentido, a psicanalista Maria Helena Fernandes indica que “se pode constatar que o comportamento alimentar, originário e essencial desde o nascimento remete o sujeito à complexidade da sua relação com o próprio corpo, marca indelével dos efeitos da alteridade.”² Faz-se importante, então, para um maior entendimento dos fenômenos relacionados aos Transtornos Alimentares, a tentativa de compreender como a relação do sujeito com o seu próprio corpo e, consequentemente, com os outros que o cercam vai interferir no comportamento alimentar.

Imagem corporal e constituição do Eu

“O corpo tem alguém como recheio”³

Como pontuado acima, o comportamento alimentar remete o sujeito à sua relação com o próprio corpo. Assim, é comum que nos Transtornos Alimentares esteja presente um temor em ganhar peso, bem como uma distorção na percepção da imagem corporal do sujeito.  Por volta dos anos 30, Paul Schilder (psiquiatra, psicanalista e pesquisador) definiu “imagem corporal” como “a figura que se forma para o sujeito, no interior de seu aparelho psíquico, do tamanho e da forma de seu próprio corpo e os sentimentos suscitados a partir da픲. Maria Helena Fernandes refere também à ampliação da noção de imagem corporal conferida por Françoise Dolto, ao final dos anos 50, quando afirma que “a imagem inconsciente do corpo vai se moldando ao longo do tempo […] como uma espécie de elaboração de sensações e emoções precoces experimentadas na relação intersubjetiva com as figuras parentais, um verdadeiro substrato relacional que passa pelo corpo, lugar da comunicação precoce.”² Quando fala de “um verdadeiro substrato relacional que passa pelo corpo”, há que se lembrar como, para a Psicanálise, a constituição do Eu está intimamente vinculada ao corpo de um sujeito, no sentido de que o Eu só pode se constituir a partir de estímulos internos e externos que, necessariamente, passam pelo corpo.

A inscrição no corpo daquilo que (ainda) não encontra palavra

A partir do exposto, pode-se considerar que as dificuldades de um sujeito que vivencia um Transtorno Alimentar não necessariamente passam pela materialidade concreta do alimento, mas talvez pelas representações e dimensões psíquicas que o envolvem. Pensando nisso, fico com uma citação de Rubens Volich (2002), por Maria Helena Fernandes:

“Muitas vezes, diante do sofrimento e da perda, entre o vazio e a palavra, o corpo se vê convocado (…) Inscrevem-se ali os prazeres, os encontros felizes e gratificantes, mas também as dores, as perdas, as separações, mais difíceis de serem compartilhadas. Entre o real e o imaginário, inclina-se muitas vezes o corpo à exigência de conter o sofrimento indizível, de suportar a dor impossível de ser representada.”

Por fim, questiono:

Seria mesmo possível, como vendem a cultura e as redes sociais, constituir um corpo – e, consequentemente, uma psique – ideal, invulnerável, isento de dor, falhas e faltas?

 

Referências:

¹ Trecho da música “Comida”, da banda Titãs, da qual aproveito para destacar também o seguinte trecho: “A gente não quer só comer / A gente quer comer e quer fazer amor / A gente não quer só comer / A gente quer prazer pra aliviar a dor”.

² Trecho do livro “Transtornos Alimentares: anorexia e bulimia” (2006), de autoria da psicanalista Maria Helena Fernandes. Este, inclusive, foi o principal livro utilizado para a elaboração deste texto.

³ Trecho de “Momento nº8”, de Arnaldo Antunes: “O corpo existe e pode ser pego. / É suficientemente opaco para que se possa vê-lo. / Se ficar olhando anos você pode ver crescer o cabelo. / O corpo existe porque foi feito. / Por isso tem um buraco no meio. / O corpo existe, dado que exala cheiro. / E em cada extremidade existe um dedo. / O corpo se cortado espirra um líquido vermelho. / O corpo tem alguém como recheio.”

Relato de Anorexia Nervosa

Paciente J, sexo feminino, 40 anos.

Relato de Anorexia Nervosa da paciente J, sexo feminino, 40 anos.

Hoje com 40, desde os 14 convivo com um transtorno alimentar. Nos seis últimos anos, o meu quadro, que já foi bastante agudo, se estabilizou. Trata-se de um exercício diário de amor próprio e do entendimento de que aquilo que me norteou por toda adolescência e parte da juventude estava equivocado.

Não é fácil, mas tampouco é impossível. Foram idas e vindas, muitas pessoas envolvidas, o cotidiano da minha família, que sempre esteve ao meu lado, afetado. Estar no limite crítico não bastou para que eu tomasse consciência da gravidade do quadro. Isso só aconteceu após uma junção de eventos, dentre os quais uma internação por três meses numa enfermaria de comportamento alimentar em um hospital psiquiátrico. Este fato pontual foi meu primeiro passo rumo à redenção. Soma-se à ele a sorte de ter encontrado pela primeira vez, após diversos tratamentos, uma equipe competente para me resgatar.

A presença incondicional daqueles que me amam também compõe esta equação. Acredito que a cada dia dou um novo passo e a evolução se faz presente em pequenos momentos que comprovam que existe uma vida além das obsessões, regras e tabus impostos pela anorexia. Se eu pudesse voltar no tempo, certamente diria àquela garota de 14 anos para buscar um propósito que a libertasse deste fardo.

Existe por aí um mundo cheio de cores e possibilidades e reduzi-lo a um ideal estético é penoso demais. A batalha ainda é diária, mas me sinto fortalecida, capaz de lidar com assédio de pensamentos doentes que invariavelmente virão. Sigo a minha jornada e hoje, mais do que nunca, acredito que o pior ficou para trás.