“Não é mais possível negar a morte; temos de crer nela. As pessoas morrem de fato, e não mais isoladamente, mas em grande número, às vezes dezenas de milhares num dia só. Isso já não é acaso.”.
– Freud, em “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” de 1915.
Freud, em seu texto “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” (1915), pontua que, apesar de muitas vezes discursarmos sobre como a morte é parte natural da vida, fazemos na verdade todo o possível para afastarmos esta possibilidade da consciência. E, quando acontece, diz ele, a morte nos atinge profundamente. O que é que sucede, então, aos viventes? Àqueles que ficam? Não com surpresa, imagino, muitos de nós responderíamos que “ficamos de luto”. Mas o que é isso, “ficar de luto”? O luto sempre inclui a dor? Não seria possível passar pela morte de um outro sem dor, sem luto? Afinal, a que vem o luto?
Em seu trabalho “Luto e melancolia” (1917 [1915]), Freud define o luto como “a reação à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria, liberdade, um ideal etc.” (p.172). Essa reação implicaria na perda de interesse pelo mundo externo, na perda da capacidade de investimento em um novo objeto de amor e o afastamento de tudo aquilo que não tenha ligação com a lembrança daquele(a) que faleceu ou daquilo que se perdeu. Uma reação, segundo ele, que poderia ser caracterizada como dolorosa.
Por trás de uma sintomatologia mais visível, haveria um trabalho psíquico árduo sendo realizado no sentido de que este sujeito, o que ficou, possa minimamente seguir na vida fazendo novos investimentos e outras ligações afetivas. Para que essas novas conexões possam acontecer, porém, é preciso, primeiramente, que sejam retirados os investimentos antes feitos em direção àquele que agora já não está aqui. E este desligamento, essa retirada, não pode ocorrer de uma vez só. É realizado aos poucos, com grande investimento de tempo e energia. Só então seria possível seguir. O luto, diz Freud, ofereceria ao Eu “o prêmio de continuar vivo”.
Atravessamos atualmente um período duro no Brasil em decorrência dos efeitos da pandemia. Um período de notícias diárias com contagem de mortes que ultrapassam a casa dos mil e que são apenas minimamente aliviadas com a esperança nas vacinas e na aposta de que em algum momento todo esse horror – porque é, sim, um horror – irá acabar. Enquanto isso, muitos são os que perdem entes queridos e muitas as notícias que não nos deixam esquecer a possibilidade da morte. Uma realidade que convoca o luto pelas vidas perdidas e o luto também por aquilo que vivíamos e que já não mais existirá.
Estamos vivendo esse luto? Estamos possibilitando que esse trabalho psíquico aconteça? Ou estamos fingindo que os números são só números e não vidas perdidas? Fingindo para poder continuar, para manter a engrenagem em pleno funcionamento? Claro, talvez não seja possível parar a vida completamente, mas até quando essa engrenagem dura se não abrirmos algum espaço para o luto? Será que não vale a pena fazer esse trabalho para que possamos continuar, de fato, vivos?
“Suportar a vida continua a ser o primeiro dever dos vivos. […]
Se queres aguentar a vida, prepara-te para a morte”
– Freud, novamente, em “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” de 1915.
Se você ou alguém da sua família está enfrentando dificuldades na fala, audição, linguagem ou deglutição.
Leia maisPassamos por um ano difícil e, por isso, gostaríamos de agradecer a todos os profissionais da Clínica Rezende, que fizeram com que os dias fossem mais leves por aqui.
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