Não é incomum receber pacientes no consultório que relatam uma necessidade absurda de alívio para aquilo que é desconfortável, seja um sentimento, um pensamento ou uma sensação física. Nessa tentativa de encontrar o alívio as pessoas se engajam em situações que as anestesiam daquele desconforto, que os afastam, que os distraiam e até mesmo buscam se ocupar, em demasia, para não entrar em contato com o que incomoda. Associado a essa situação também é muito comum que essas pessoas tenham a crença de que pensar sobre o assunto e entrar em contato com o desconforto vai intensificar o que já está ruim.
É possível compreender de onde vem esse funcionamento… a seleção natural nos fez atentos aquilo que é nocivo, que coloca em risco nossa segurança e sobrevivência. Por exemplo, quando uma comida cheira mal, não comemos, pois aquele cheiro indica que ela está estragada; quando um bicho venenoso se aproxima, nos distanciamos dele para nos proteger. Entretanto, generalizar essa postura para conteúdos internos não alcança o mesmo resultado, de proteção e sobrevivência, aliás, tentativas de evitar pensamentos e emoções desagradáveis podem às vezes nos fazer vivenciá-los mais frequente ou intensamente.
Quando nos apoiamos na realidade, somos forçados a admitir que a vida envolve certo grau de sofrimento e dor. Portanto, a postura de evitar e ignorar o desconforto acaba nos conduzindo a uma vida com pouco significado e propósito. Dessa forma, é preciso trabalhar para adotar uma postura de abertura e aceitação daquilo que é desafiador.
Essa pauta é muito comum nas sessões de terapia e por isso pedi a uma paciente querida para relatar sua experiência, veja só como foi o processo dela.
“No auge dos meus 18 anos, minha vontade era poder apertar o botão “acelerar, do controle remoto da vida”, para poder chegar aos 60 anos, ser uma senhorinha que acorda cedo e que apenas se preocupa em lavar sua calçada pela manhã. Pois só assim não me preocuparia com nada, não precisaria enfrentar tudo aquilo que me causava desconforto: a rotina do dia a dia, o trabalho, os problemas… tudo já teria passado.
Alguns dias em que tudo era planejado nos mínimos detalhes davam certo, mas outros, em que algo acontecia, uma briga com o namorado, uma prova que estava chegando, um processo seletivo, ou simplesmente nada, já era o suficiente para a angústia, o medo e “ELA”, a ansiedade, chegarem. E com “ELA” um turbilhão de pensamentos ruins, desastrosos e emoções negativas!
“_ Será que quando eu for apresentar aquele trabalho na faculdade, vou ficar tão nervosa que vai me dar branco, ou pior, vou vomitar no meio da sala?”
“_ E se eu terminar meu namoro e nunca mais encontrar ninguém? Vou ficar sozinha, quero casar e ter filhos antes dos 30. Meu Deus, o tempo está passando!”
“_ Será que no dia do meu casamento vou ficar tão nervosa que todos vão ver que estou tremendo? Todos ficam felizes no dia do casamento, ninguém fica com cara de angustiado!”
“_E se eu não passar no vestibular? Minha vida vai ter acabado. Vou ficar atrasada para sempre!”
Pronto, o looping infinito de pensamento – sentimento ruim começou, a ansiedade – carinhosamente a chamo de “E SE? e “SERÁ?”- tomou conta de mais um dia e mais um e mais um….. porque todos os dias acontecem novas coisas, novas situações, novos desafios, novas alegrias, novos problemas…
A “E SE?” e “SERÁ?” é tão convincente e envolvente que consegue até transformar coisas boas, como um novo emprego, um novo relacionamento, uma festa…. em algo ruim. E ter emoções ruins é horrível, causa medo, é assustador e por isso muitas vezes eu tentava ignorar tudo, tentava não pensar pois tinha medo de me sentir pior se eu desse “ouvidos” para esses pensamentos e emoções.
“_Você já teve medo de sentir medo?”
Parece algo bem estranho, mas eu já, várias vezes. Tive medo de chegar em alguma situação em que precisasse fazer algo, ou resolver algo e por medo, não conseguisse fazer. Esse é o medo de ter medo :
– “E se eu estiver me divertido com minhas amigas, e do nada, vier aquele pensamento ruim e começar a me dar medo? Vai estragar meu passeio, vou ficar nervosa e passar mal. Agora estou com medo disso acontecer.”
_ Essa noite precisarei dormir sozinha. Como vou fazer? Não quero dormir sozinha, porque posso acordar no meio da noite e ouvir um estalo da geladeira e ficar com medo.”
Diante desse medo muitas vezes deixei de fazer coisas, de estar com as amigas e até perdi o sono, com medo do medo.
Muitos anos se passaram em minha vida e eu não sabia administrar ou mesmo entender todas essas emoções, em especial a ansiedade, o medo e a angústia, nem ao menos denominá-las. Elas aconteciam e a vida ia passando… vai ver tinha que ser assim, cada um tem seu jeito e esse é o meu. E sempre pensava, não vou ter paz nunca?!
Até o momento em que comecei a fazer terapia. E como pode isso, uma cortina se abriu. Comecei a entender os “porquês” dessas emoções, sentimentos e pensamentos. E as coisas começaram a fazer sentido, parecendo até serem óbvias. Foi aí que descobri que o pensamento ansioso começa sempre com a pergunta “E SE? e SERÁ?”.
Um dos exercícios que minha psicóloga me ensinou, que mais me ajudou foi buscar o pensamento “fonte”. E é algo surpreendentemente simples, mas a “E SE? e SERÁ?” deixa nossa cabeça tão confusa, que causa um nó e então você só está com aquele aperto no coração e a cabeça doendo de tanto pensar e já nem sabe mais o porquê daquilo tudo.
Bem, o pensamento fonte é assim: algo aconteceu (pode ser bom ou ruim), mas disparou sua ansiedade e com ela a palpitação no coração. Estou no meio da tarde, paralisada, sentindo meu coração disparado e um mal estar terrível.
“-PARA TUDO!!!!”
– Em que estou pensando? Ex. Vai dar tudo errado com a minha mudança de casa, chegará tudo quebrado e destruído.
– Qual pensamento fonte, o que me fez pensar/constatar isso? Já fiz uma mudança uma vez que deu errado. Também ouvi e li na internet, o relato de várias pessoas dizendo que suas coisas chegaram quebradas ou simplesmente não chegaram!
Ok! Já consegui identificar o que está causando essa palpitação, o medo da mudança dar errado, pois penso que há grandes chances disso acontecer.
Bem, agora o mais importante, o que posso fazer a respeito? Esse pensamento tem fundamento?
“_ A resposta é sim! Meu pensamento tem fundamento, quero que dê tudo certo com a minha mudança. Diante disso posso fazer algumas coisas mas não controlar tudo. Posso procurar a melhor transportadora, ver recomendações na internet, conversar com pessoas que também se mudaram e tentar escolher a melhor empresa, embrulhar tudo bem direitinho e… bem… paro por ai. Após isso, não está mais em minhas mãos, o que vai acontecer dentro do caminhão de transporte não depende mais de mim. Não posso controlar tudo, não há como controlar tudo! E ISSO É NORMAL!”
Isso é libertador! Entender qual emoção está sentindo, de onde ela veio, o porquê e o que posso fazer com isso, é algo sensacional. Pois como disse, sempre me perguntei, quando terei PAZ, porque todos os dias acontece alguma coisa. E hoje descobri a resposta:
A PAZ está na forma como encaro minhas emoções e tudo que acontece ao meu redor. Porque coisas ruins e coisas boas, SEMPRE vão acontecer e sempre vão gerar emoções em mim e em qualquer pessoa. Mas a forma como às encaro, é o que me faz viver de uma forma leve. Entendi que as mesmas emoções que me causavam desconforto, são as que me impulsionam a viver, me desafiam e não me assustam mais. Elas fazem parte de mim e hoje sei o que fazer com elas.
Me faz viver o dia a dia entendendo o que estou sentindo, pensando… queria ter descoberto isso aos meus 18 anos, mas só descobri aos 30 após iniciar a terapia. Mas a vida é isso, um eterno aprendizado, a gente paga pra ver se dará certo, aposta no imprevisível, tenta controlar o incontrolável, ri, chora, comemora, sente medo, dor, angústia… isso é viver.
Ainda aprendo muito em cada sessão de terapia, me descubro, entendo os porquês, crio novos porquês também. E hoje, quero viver cada dia, nada de sair acelerando o “controle remoto da vida”, ainda chegarei aos 60, 70, 90 anos… não sei bem o que farei quando chegar lá, mas com certeza minha preocupação não será em lavar calçada, nem sei se terei preocupação, mas sei que com certeza já terei aprendido muito e vivido muito a cada dia, compreendendo e encarando minhas emoções.”
Percebam como a abertura ao desconforto abre espaço para o entendimento, para o significado daquela emoção e daquele pensamento para a sua vida e como isso contribui para uma vida que vale a pena, mesmo com a presença do sofrimento.
LEAHY R. L., TIRCH D. & NAPOLITANO L. A. (2013). Regulação emocional em psicoterapia – um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed.
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