Certamente, as pessoas fumam pelos mais diversos motivos. Deve-se pensar, porém, que a nicotina presente no tabaco, que é a substância capaz de gerar dependência, atua no sistema de recompensa cerebral e seu uso resulta numa sensação de bem-estar. Por outro lado, na medida em que a dependência se instala ao longo do tempo, as pessoas passam a buscar o cigarro para evitar o incômodo dos sintomas de abstinência. As principais queixas dessa condição são inquietação, irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia, ansiedade, tristeza e aumento do apetite.
As pessoas também podem fumar como uma forma de lidar com as emoções ou sentir-se melhor diante de algum problema. Dessa forma, algumas pessoas podem dizer que fumar dá prazer e é relaxante, outras podem justificar falando que o cigarro lhes anima e, assim, fica mais fácil se relacionar com os outros. Algumas pessoas podem argumentar que usam o tabaco para manter-se alerta ou para se esquecer das obrigações e preocupações.
Independentemente das justificativas apresentadas por cada um, sempre se destaca que parar de fumar é possível! Descobrir e entender as razões para se fumar pode ser útil no processo de tratamento e interrupção do tabagismo.
Quando se pensa na dependência comportamental, o fumante estabelece uma rotina, criando hábitos que se tornam gatilhos para o desejo de fumar. O condicionamento normalmente acontece com a repetição da associação do hábito de usar o cigarro com algum comportamento.
Pode-se citar os principais hábitos associados ao ato de fumar: após o consumo de café ou das refeições; ao ir ao banheiro, ao dirigir ou ao falar ao telefone; antes de dormir ou quando se consome bebidas alcoólicas.
É fundamental a compreensão de que cada tabagista desenvolve uma relação específica com o cigarro, e as funções e os motivos que levam cada um a manter o hábito variam de pessoa para pessoa. Durante o trabalho de aconselhamento para a interrupção do tabagismo, o foco deve ser a identificação das crenças e dos comportamentos associados ao hábito de fumar, para que assim o indivíduo possa desfazer tais associações.
Existem diversas ideias associadas ao tabagismo que podem funcionar como obstáculo para o desejo de enfrentar esse problema. Muitas dessas ideias não são verdadeiras e devem ser desmistificadas. Outras são mesmo reais, mas é aconselhável que algumas estratégias sejam discutidas para que possam ser minimizadas.
De fato, o ganho de peso muitas vezes aparece como uma barreira na cessação do tabagismo, sobretudo em mulheres. A maioria dos pacientes engorda em média até 4kg ao deixar de fumar. No entanto, esse ganho é menos prejudicial à saúde do que continuar a fumar. Não se deve negar essa possibilidade de ganho ponderal, embora nem sempre haja incremento da ingesta calórica. Os fatores que influenciam esse aumento do peso são alterações metabólicas, melhora do paladar e olfato, aumento do apetite e ansiedade, além da necessidade de se premiar por conta da sensação de privação do cigarro. Assim, deve-se ter em mente a necessidade de adoção de um estilo de vida com hábitos mais saudáveis, com a maior ingestão de frutas e verduras, prática de exercício físico e consumo limitado de álcool.
A maioria dos fumantes relata usar o cigarro para lidar com situações estressantes. Porém, no cigarro não existe nenhuma substância relaxante, a nicotina é um estimulante. Provavelmente, esse relato está relacionado a um condicionamento, ou seja, as pessoas param para fumar em interrupções de situações de estresse. A hora de fumar é uma parada no tempo, propiciando um intervalo à pessoa. Por exemplo, o fato do indivíduo fumar no intervalo de uma reunião estressante. Além disso, quando se fuma, se alivia os sintomas de abstinência.
É importante se ter informações acerca dos sintomas de abstinência, o tempo de duração e o quanto o tratamento farmacológico pode minimizar essas queixas. A vontade de fumar, conhecida como fissura, é um sintoma de abstinência, e tende a durar, em média, 2 a 5 minutos. O mais importante é que a ocorrência desses sintomas vai diminuir com o tempo. Quanto mais tempo a pessoa ficar sem fumar, menos intensa e frequente será a vontade.
Existem algumas formas para se lidar com esses momentos de fissura, tais como beber água quando sentir vontade de fumar. Uma outra possibilidade é ter palitos de cenoura à mão, comendo sempre que sentir aquela ânsia de levar um cigarro à boca. Um chiclete também pode substituir o prazer oral do cigarro. Se a pessoa tem vontade de fumar logo após as refeições, pode-se escovar os dentes imediatamente após terminar de comer. O importante é não comprar cigarros e descartar tudo aquilo que possa remeter ao ato de fumar, como cinzeiros.
Sim, é verdade que a nicotina pode melhorar a concentração. Desse modo, a dificuldade de atenção pode ser um dos sintomas presentes no momento inicial da abstinência. Então, deve-se entender que, nesses primeiros dias, a pessoa pode não produzir tanto quanto gostaria, mas essa limitação é temporária. Pode-se fazer um planejamento e adiar na primeira semana tarefas que demandam mais foco. Deixar de fumar é um passo importante para a vida do tabagista e um período pequeno com dificuldade de concentração não será mais prejudicial do que permanecer fumando.
Deve-se ter em mente que, ao parar de fumar, é possível ter alguma alteração intestinal, inclusive com ocorrência de constipação. Muito menos por conta de um efeito direto do tabaco, mas muito provavelmente por ter se criado um condicionamento de fumar sempre que se ia anteriormente ao banheiro. Assim, por vezes é difícil perceber que essas ações (fumar e evacuar) acontecem de forma independente. Uma boa estratégia seria tentar se lembrar de como era o funcionamento do intestino antes de começar a fumar. Mais uma vez, se algum prejuízo no hábito intestinal acontecer, isso será passageiro.
É fundamental refletir como cada um já se sentiu em lugares em que esteve e que não era permitido fumar. Ou pensar como as pessoas em geral conseguem se divertir sem cigarro. Deve-se discutir as possíveis mudanças de comportamento em relação às restrições de fumo em determinados ambientes. No começo, as mudanças podem ser difíceis, mas a adaptação vem com o tempo. Também deve-se prestar atenção na associação do tabaco com o uso de álcool.
Presman S, Gigliotti A. Capítulo 11 – Nicotina. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R, e colaboradores. Dependência Química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019.
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