Suporte psicológico na prevenção e tratamento de transtornos alimentares

O profissional de saúde mental ajuda o paciente a entender suas emoções e comportamentos referentes à comida, além de desenvolver estratégias para lidar com os gatilhos e manter uma relação saudável com a alimentação.

*Texto por Helen Lima, em entrevista à Laís Pereira, psicóloga.

Suporte psicológico na prevenção e tratamento de transtornos alimentares

O profissional de saúde mental ajuda o paciente a entender suas emoções e comportamentos referentes à comida, além de desenvolver estratégias para lidar com os gatilhos e manter uma relação saudável com a alimentação.

Os transtornos alimentares são condições complexas que afetam a saúde física e mental de milhares de pessoas. Segundo estudo publicado em 2023 na revista científica Jama Pediatrics, um em cada cinco jovens de 6 a 18 anos apresenta esse tipo de doença.

Reconhecer os sinais de alerta e buscar ajuda profissional é essencial para prevenir e tratar o problema. Para entender melhor a importância do suporte psicológico nesse processo, entrevistamos Laís Helena Pereira, psicóloga da Clínica Rezende e Aprimorada Interdisciplinar em Transtornos Alimentares pelo Ambulim – IPq HC-FMUSP.

Causas e Predisposições

Os transtornos alimentares são multifatoriais, originados por motivações de ordem psicológica, biológica e/ou social. “O contexto cultural que valoriza a magreza contribui significativamente”, explica Laís Pereira. Ambientes em que as pessoas consideram o corpo magro como sinônimo de beleza, sucesso, conquista e, até mesmo, áreas profissionais que enfatizam a aparência física, como a moda, os esportes e a nutrição, também podem aumentar o risco de incidência.

Esses fatores culturais e sociais colaboram, inclusive, para justificar a prevalência de transtornos alimentares em pessoas do gênero feminino. “As mulheres enfrentam uma pressão social intensa para manter um corpo magro desde a infância e adolescência. Além disso, estão mais propensas a desenvolver baixa autoestima e outros tipos de adoecimentos mentais, como ansiedade e depressão, que podem contribuir para o surgimento de transtornos alimentares.”

Outras causas de origem psicológica incluem a baixa autoestima, perfeccionismo e pouco repertório de habilidades sociais. Biologicamente, uma predisposição genética também pode estar presente, especialmente se há histórico familiar de transtornos alimentares. A obesidade infantil e a entrada precoce na puberdade também são fatores observados como possíveis causas para esse tipo de distúrbio.

A psicóloga destaca a importância de considerar diversos aspectos da vida do indivíduo e como ele se relaciona com essas questões, já que nenhum fator isolado é suficiente para desencadear um transtorno alimentar.

Identificando os Sinais de Alerta

Segundo a especialista, os primeiros indícios da doença são geralmente sutis e envolvem o que ela chama de “comer transtornado”. “Os comportamentos de risco incluem uso de medicações para emagrecer, exercícios físicos excessivos, indução de vômito, jejuns prolongados e uma relação emocionalmente conturbada com a comida. Essas atitudes demonstram que a interação entre a pessoa e o alimento está longe de ser saudável e tranquila.”

Além disso, ela explica que o indivíduo pode experimentar sentimentos intensos de ansiedade e medo antes de comer, seguidos por culpa e arrependimento após as refeições. Alterações na vida social também são comuns, como evitar de se alimentar em público. “Comer em desconexão com o próprio corpo, seguindo regras alimentares rígidas, também é um sinal importante de alerta”, complementa.

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A atuação do nutricionista no tratamento de transtornos alimentares

Impactos clínicos dos transtornos alimentares

O Caminho da Recuperação

Laís Pereira destaca que o processo de tratamento dos transtornos alimentares é individualizado, longo e exige um esforço contínuo. “Embora não consideremos que esse tipo de distúrbio seja curado, é possível alcançar a remissão dos sintomas e desenvolver habilidades para lidar com eles”. A recuperação deve envolver uma equipe multidisciplinar, incluindo psiquiatras, nutricionistas e, em alguns casos, fisioterapeutas e educadores físicos.

A psicóloga aponta que um dos maiores desafios é a aceitação desse processo por parte do paciente. “Muitas vezes, os pacientes veem o transtorno como parte de sua identidade, o que dificulta a adesão e a superação de outros desafios do tratamento.”

O Papel Crucial do Suporte Psicológico

O acompanhamento psicológico é fundamental tanto na prevenção quanto no tratamento dos transtornos alimentares. “O psicólogo ajuda o paciente a entender suas emoções e comportamentos referentes à comida, além de desenvolver estratégias para lidar com os gatilhos e manter uma relação saudável com a alimentação”, explica Laís Pereira.

Para quem suspeita que possa estar sofrendo de um transtorno alimentar ou conhece alguém nessa situação, a mensagem é clara: procure ajuda profissional. “Os transtornos alimentares são problemas sérios de saúde mental que requerem tratamento especializado e uma abordagem multidisciplinar”, conclui a especialista. “Não hesite em buscar apoio para cuidar da sua saúde física e psicológica.”

A atuação do nutricionista no tratamento de transtornos alimentares

Profissional contribui para desmistificar crenças sobre alimentação e ajuda a promover uma relação saudável com a comida.

* Texto por Helen Lima, em entrevista ao Felipe Barreto, Nutricionista.

A atuação do nutricionista no tratamento de transtornos alimentares

Profissional contribui para desmistificar crenças sobre alimentação e ajuda a promover uma relação saudável com a comida.

Pessoas que possuem transtornos alimentares devem contar com o auxílio de diferentes profissionais de saúde que, de forma coordenada, podem promover um tratamento mais eficaz e integral, abordando os aspectos físicos e emocionais desses distúrbios. Ao focarmos no papel do nutricionista, podemos observar uma série de contribuições, que vão desde a conscientização à recuperação segura do peso do paciente.

De acordo com Felipe Barreto, nutricionista da Clínica Rezende, “a atuação do nutricionista no tratamento de transtornos alimentares, como Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa e Transtorno de Compulsão Alimentar, é fundamental e envolve várias estratégias”. Confira, a seguir, alguns exemplos listados pelo profissional:

  1. Avaliação Nutricional

É realizada uma avaliação detalhada do estado nutricional do paciente, identificando deficiências, padrões alimentares e comportamentos relacionados à alimentação;

  1. Intervenção Alimentar Individualizada

Quando necessário, são feitas intervenções alimentares adaptadas às necessidades e condições específicas de cada paciente, com o objetivo de restaurar a nutrição adequada, promover hábitos alimentares saudáveis e recuperar o peso de forma segura. Vale destacar que a intervenção não é o mesmo que dieta restritiva;

  1. Educação Nutricional

Nutricionistas fornecem informações e orientações sobre alimentação equilibrada e a importância dos nutrientes, ampliam o olhar da comida para além dos ingredientes e orientam sobre como melhorar a relação com a comida;

  1. Suporte Emocional e Motivacional

 Agindo em parceria com psicólogos, psiquiatras e outros profissionais de saúde, nutricionistas formam uma rede de apoio do paciente, ajudando a lidar com medos alimentares, distorções cognitivas e comportamentos alimentares prejudiciais;

  1. Monitoramento e Ajustes

Acompanhamento regular do progresso do paciente, ajustando sua alimentação conforme necessário e monitorando sua saúde de forma geral.

Felipe Barreto reforça que a abordagem do nutricionista deve ser individualizada e centrada no paciente, garantindo que as intervenções sejam adequadas às necessidades específicas de cada indivíduo.

Combatendo os mitos nutricionais

 O profissional de nutrição também desempenha um papel importante ao conscientizar as pessoas sobre terrorismos nutricionais que são amplamente disseminados nas redes sociais. A fim de promover uma relação saudável com os alimentos, Felipe Barreto derruba alguns dos principais mitos presentes no universo das dietas. Certamente você já deve ter ouvido algum deles, confira a seguir:

“Carboidratos engordam”

“Muitas pessoas acreditam que todos os carboidratos são ruins e devem ser evitados para manter o peso ou emagrecer. Isso pode levar a uma restrição excessiva e a um possível gatilho para exagero com os alimentos ricos nesse nutriente. Carboidratos são essenciais para a energia e funcionamento adequado do corpo, e devem ser consumidos de forma balanceada, assim como a proteína e a gordura, por exemplo”.

“Comer gorduras faz mal à saúde”

“Existe um medo generalizado de todas as gorduras, levando algumas pessoas a evitarem completamente esse macronutriente. No entanto, algumas gorduras como as encontradas em abacates, nozes e azeite de oliva, são cruciais para a saúde do coração e do cérebro. A demonização geral das gorduras não ajuda em nada as pessoas a tomarem melhores decisões alimentares, pelo contrário”.

“Pular refeições ajuda a emagrecer”:

“Deixar de fazer algumas refeições, especialmente o café da manhã, é visto por muitos como uma estratégia para perder peso. No entanto, isso pode levar a uma fome maior na parte da tarde, episódios de exagero alimentar e até ser um gatilho (dentre outros) para um episódio de compulsão alimentar. Comer regularmente ajuda a manter níveis de energia estáveis e um metabolismo saudável”.

“Dietas Detox”

“As dietas detox são promovidas como necessárias para eliminar toxinas e promover a saúde. A questão é que o corpo humano já possui mecanismos naturais de desintoxicação, principalmente através do fígado e dos rins. Essas dietas podem ser restritivas e resultar em deficiências nutricionais e desordens alimentares”.

“Alimentos conhecidos como ‘porcarias’ devem ser completamente evitados”

“A categorização de certos alimentos como ‘bons’ ou ‘ruins’ pode levar a uma relação disfuncional com a comida. Todos eles podem ter um lugar em uma alimentação equilibrada e a moderação é a chave. Restringir severamente certos produtos pode aumentar o desejo por eles e desencadear comportamentos alimentares compulsivos”.

Os transtornos alimentares são identificados a partir de sinais como a preocupação excessiva com peso e aparência, alterações significativas nos hábitos alimentares, comportamentos compensatórios, tais como uso de laxantes e diuréticos, exercícios físicos em excesso e rituais alimentares rígidos. Felipe Barreto reforça a importância de uma intervenção ágil no tratamento desses distúrbios. “Tratam-se de problemas sérios de saúde mental, que requerem tratamento especializado e uma abordagem multidisciplinar. Não hesite em procurar apoio e cuidar de sua saúde física e psicológica”.

Confira também:

Nosso podcast com 4 episódios sobre Transtornos Alimentares.

Impactos clínicos dos Transtornos Alimentares

* Por Dra. Luiza Junqueira, nutróloga.

Impactos clínicos dos Transtornos Alimentares

Os transtornos da conduta alimentar são doenças psiquiátricas que compreendem um grupo amplo de distúrbios caracterizados por alterações do comportamento alimentar com graves complicações clínicas.

São doenças multifatoriais que possuem fatores predisponentes como os biológicos, genéticos, psicológicos e socioculturais, assim como fatores precipitantes como dietas e eventos estressantes.

A abordagem desses distúrbios deve ser integral com equipe especializada multidisciplinar composta por Psiquiatra, Psicólogo e Nutricionista. E além desses profissionais destaco hoje a importância do acompanhamento Médico Clínico, uma vez que cursam com alterações orgânicas que podem ser causa ou consequência do comportamento alimentar.

Anorexia Nervosa

Na Anorexia Nervosa, a restrição dietética severa resulta na desnutrição calórica-proteica que leva a mudanças fisiopatológicas. Ocorre redução da massa de gordura assim como da massa muscular corporal, alterações hormonais, aumento do colesterol, disfunções hematológicas como anemia e alterações imunológicas. Algumas mudanças no funcionamento do organismo podem perpetuar a doença como esvaziamento gástrico demorado, plenitude gástrica, inibição da alimentação.

A Osteopenia/Osteoporose é uma das alterações mais graves, pode levar a fraturas patológicas e em pacientes jovens comprometer o desenvolvimento causando baixa estatura. Alteração da função sexual e reprodutiva ocorre também em grande parte dos pacientes e é comum alteração do ciclo menstrual como amenorreia. No exame físico podem ser detectadas alterações cardíacas como bradicardia, arritmia cardíaca e hipotensão, além de alterações de pele e pelos, resultante da desnutrição e desidratação.

Bulimia Nervosa

Na Bulimia Nervosa as alterações orgânicas são decorrentes tanto dos episódios compulsivos como dos purgativos. O vômito induzido por levar a esofagite, aumento das glândulas parótidas, abrações dentárias, cáries e ulcerações no dorso das mãos. O uso inapropriado de laxantes, diuréticos e o próprio vomito podem resultar em distúrbios hidroeletrolíticos causando fraqueza muscular, cãibras, arritmia cardíaca e em casos graves levar a insuficiência cardíaca. Também é frequente o diagnóstico de anemia, seja por deficiência nutricional, por sangramento ou pelo uso de laxantes.

Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica

No Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica a ingestão exagerada e compulsiva de alimentos, normalmente de alto teor calórico, resulta em doenças associadas como Obesidade, Diabetes, Dislipidemia, Doenças Cardiovasculares, Cálculo Biliar e alguns tipos de Câncer.

Os exames laboratoriais são exames complementares que não tem papel no diagnóstico, mas sim na avaliação de complicações tais como: hipercolesterolemia, hipoglicemia, anemia, redução de sódio, potássio, magnésio e fósforo; deficiência de vitaminas e minerais como ferro, zinco, vitamina B12; alterações hormonais como redução de T4, redução da testosterona, aumento do cortisol e da insulina, entre outras.

  • Importante destacar que em muitos casos o paciente procura atendimento profissional devido a algumas das alterações clínicas descritas, ainda sem o diagnóstico de transtorno alimentar. Assim cabe ao profissional realizar uma anamnese minuciosa, com atenção aos hábitos de estilo de vida, para suspeitar de um distúrbio de comportamento alimentar e propor o tratamento o mais precoce possível.

Reforço, portanto, a importância do acompanhamento com equipe multidisciplinar e a atenção aos dados objetivos do exame clínico para uma abordagem completa do paciente.