* Texto por Helen Lima em entrevista ao Dr. Leonardo Martins, Psicólogo.
Quando o consumo de álcool se torna dependência?
Conheça os principais sintomas do alcoolismo e saiba como funciona o
tratamento.
O consumo de álcool é um hábito com raízes sociais e culturais, que já foi chancelado inclusive entre profissionais de saúde. Quem nunca ouviu dizer que uma tacinha de vinho por dia faz bem ao coração? Porém, estudos recentes vão de encontro a essa indicação e demonstram que não existe consumo seguro de bebidas alcoólicas. Para se ter uma ideia, mais de 200 doenças são associadas ao uso nocivo de álcool, como câncer de esôfago, cirrose e alterações da pressão arterial.
Diante desse cenário, é importante que as pessoas reflitam sobre seus comportamentos de consumo e busquem estratégias para reduzi-lo. Segundo o Dr. Leonardo Martins, Psicólogo da Clínica Rezende, qualquer consequência gerada pela bebida caracteriza o uso problemático do álcool. “Os problemas podem ser físicos, como irritações gastrointestinais, como também derivarem do próprio consumo, tal como começar a beber e não conseguir parar quando planejado”.
O especialista explica que o uso problemático da bebida pode perdurar por anos, sem que seja identificado como uma questão séria. “Contudo, a exposição contínua e prolongada pode caracterizar um quadro grave de saúde mental denominado de síndrome da dependência por uso de álcool“.
Sinais de alerta para o alcoolismo
Além dos danos à saúde, a dependência por uso álcool, popularmente chamada de alcoolismo, também provoca mudanças na rotina, como a restrição do repertório comportamental, em que a pessoa passa a gastar uma boa parte do seu tempo bebendo ou se recuperando do consumo.
Outros fatores relacionados ao uso nocivo do álcool são o aumento da tolerância à bebida e a dificuldade de parar depois de começar a beber. Em quadros de abstinência, é comum que as pessoas experimentem sintomas intensos, que chegam a ser descritos como incapacitantes, sendo aliviados somente após uma dose.
Segundo o Dr. Leonardo Martins, estudos descritivos identificaram estes três grupos de sintomas:
- Físicos: tremores, náuseas, vômitos, sudorese, dor de cabeça, câimbras e tontura;
- Afetivos: irritabilidade, ansiedade, sensação de fraqueza, inquietação e rebaixamento do humor;
- Sensopercepção: pesadelos, ilusões e alucinações (visuais, auditivas ou táteis).
A Organização Mundial de Saúde desenvolveu o AUDIT (do inglês, Alcohol Use Disorders Identification Test), um questionário que ajuda na identificação do risco de problemas associados ao padrão de consumo de álcool. Você pode avaliar seu comportamento acessando o site abaixo, desenvolvido como parte da tese de doutorado do Dr. Leonardo:
Estratégias para beber menos
Se este texto despertou em você o interesse em reduzir o consumo de álcool, confira algumas dicas práticas dadas pelo Dr. Leonardo Martins:
- Avalie o quanto você está bebendo. Conheça as consequências negativas e os riscos associados ao seu padrão de consumo atual;
- Reconheça os diversos benefícios que você poderia ter caso reduzisse a bebida (saúde, relacionamento, gastos, etc.);
- Planeje atividades que você poderia realizar no lugar de beber e evite situações em que você tenha mais chances de beber em excesso;
- Treine como falar “não” a ofertas que envolvam beber mais;
- Em eventos com bebida, hidrate-se e alimente-se bem. Se for beber, aumente o intervalo entre as doses;
- Estabeleça uma meta e uma data para começar a beber menos.
Essas técnicas ajudam a alcançar um consumo consciente, mas o especialista destaca que o cenário ideal é seguir a recomendação da Organização Mundial de Saúde: pessoas do sexo masculino (dado a aspectos biológicos) devem tomar até duas doses padrão (cerca de 12 gramas de álcool ou o equivalente a uma latinha de cerveja) por dia em até cinco dias da semana e mulheres devem consumir a metade dessa quantidade.
Vencendo o alcoolismo
Quando o uso de álcool se torna uma dependência, a recomendação, em linhas gerais, consiste na abstinência associada com a busca pela ajuda de um profissional de saúde. Segundo o Dr. Leonardo Martins, o tratamento das dependências de substâncias pode ser caracterizado como um dos maiores desafios da prática clínica.
Trata-se de um processo contínuo que envolve diversas etapas, mas que não é linear, já que inclui o manejo de crises. “A possibilidade da recaída precisa ser considerada e estratégias devem ser desenvolvidas para reduzir as suas chances de ocorrência. Caso ela venha a acontecer, é importante identificar as causas para que seja possível evitá-la em um próximo momento”, explica.
Os aspectos multifatoriais que determinam a dependência, bem como as diversas dimensões do cuidado que ela exige, faz com que seja relevante incluir no escopo do cuidado todos os recursos que possam contribuir para a jornada daquela pessoa que busca ajuda. Os grupos de apoio, como os Alcoólicos Anônimos, são um exemplo de suporte complementar. A presença disseminada nas mais diversas localidades e a possibilidade de trocar experiências estão entre as principais vantagens dessas iniciativas.
O Dr. Leonardo Martins pondera que nem todas as pessoas se adaptam ao modelo dos grupos de apoio, reforçando o aspecto individual e multidisciplinar do tratamento do alcoolismo. “A busca por outros recursos pode ser igualmente importante, tais como acompanhamento psicoterápico, terapia ocupacional, dentre outros elementos que façam sentido para cada caso”.
Se antes a dependência por uso de álcool era julgada como uma questão moral, hoje ela é vista como um problema de saúde crônico e insidioso. Essa mudança de paradigma é fundamental para assegurar o melhor tratamento possível para o paciente. “O julgamento pode fazer com que a pessoa não se considere digna de receber cuidado e se esconda”, afirma o especialista.
O alcoolismo não se relaciona à falta de força de vontade ou malandragem, trata-se de uma questão de saúde vital e que tem tratamento. É importante que a pessoa dependente busque ajuda e, com a parceria de um profissional de saúde, construa uma trajetória própria de cuidado e recuperação.