Depressão e o Envelhecimento

Envelhecer, como qualquer etapa da vida,  envolve passar por transformações  biopsicossociais que podem ser fatores de risco para o desenvolvimento de depressão. Mas, sabemos que um mesmo estressor é vivenciado de forma diferente,  individualizado por cada pessoa, e isso,  é o que nos torna único. 

* Por Dra. Natália Salgado

Depressão e o Envelhecimento

Entre tantos paradigmas que cercam o envelhecimento humano, a depressão entra como um dos mais pontuados, como se sua presença, fosse intrínseca a essa fase da vida.

Envelhecer não é sinônimo de doença! Muito menos de  tristeza , de perda do interesse em realizar atividades que são prazeirosas e tem que trazem sentido e senso de utilidade.

Senescência

Falo a princípio do envelhecimento fisiológico, saudável – a senescência . A senescência  traz consigo alterações corporais e comportamentais complexas e das mais diversas apresentações. E entre tantas alterações que podem ocorrer , seguindo o fluxo inexorável da vida, o humor entristecido não está entre elas, como erroneamente esperado para essa faixa etária. Muitas vezes estes idosos não tem a oportunidade de vivenciar essa experiência etária de forma satisfatória por falta de oportunidade e organização sócio familiar, entre tantos outros fatores.

Envelhecer, como qualquer etapa da vida,  envolve passar por transformações  biopsicossociais que podem ser fatores de risco para o desenvolvimento de depressão. Mas, sabemos que um mesmo estressor é vivenciado de forma diferente,  individualizado por cada pessoa, e isso,  é o que nos torna único.

Para uns,  o próprio fato de envelhecer, é sentir “sem lugar”, sem uma utilidade, sentir a proximidade da finitude da vida, e este sentimentos podem ser motivos  para se entristecer e desenvolver com o tempo um quadro depressivo. Mas é  sempre importante distinguir o que é uma uma emoção, um sentimento , do que é  um transtorno, que pode ser entendido como um conjunto de sintomas que interferem na qualidade de vida, causando sofrimento e perda funcional ao sujeito.

Quantos idosos estão atravessando essa pandemia das mais variadas formas, como: expectativas, medos, perdas , suporte social  ou não.  O impacto desta pandemia é inquestionável para a saúde mental do idoso. Principalmente em se tratando de uma parcela que por ser grupo de risco (envelhecer torna o organismo mais vulnerável  aos estressores)  encontra-se rodeado de incertezas, de privações e provações.

Pensando agora em adoecimento mental, a depressão é a condição mais comum, mais prevalente entre os idosos.

Quando suspeitamos de depressão no idoso, devemos sempre pensar em adoecimento e não quadro sintomático inerente do envelhecer. Insisto nisso para ficar claro e ser um sinal de alerta para o idoso , para profissionais da saúde, familiares e para toda a sociedade , que caminha para o envelhecimento da sua população.

A depressão no idoso pode ser sutil, nem sempre manifestando da forma como percebemos no adulto jovem. Variando de quadros leves, subsindrômicos,  até quadros graves com ideação suicida e sintomas psicóticos.

Na investigação diagnostica diante um possível quadro de depressão, é importante determinar vários elementos como inicio de aparecimentos dos sintomas –  início precoce (início do quadro na adolescência e ou na fase adulta) ou de início tardio, após os 60 anos. A distinção em relação ao tempo se faz necessária, devido principalmente os fatores de riscos relacionados,  o planejamento da abordagem terapêutica multidisciplinar assim como o direcionamento do raciocínio clinico para possíveis  diagnósticos diferenciais, como a demência.

Entre os fatores que  estão relacionados com a depressão no idoso (principalmente a depressão de inicio tardio) podemos citar: fatores hereditários, fatores neuroendócrinos,  presença de comorbidades clinicas; efeitos adversos de medicamentos;  e vivencias pessoais diversas  como luto, aposentadoria, exclusão social e abandono. Todos estes elementos devem ser particularizados e avaliados.

Assim, fazer o diagnóstico nesta parcela expressiva da população não é tão simples como pode parecer, e muitas vezes utilizamos questionários específicos para rastreio da possível condição.

Vejamos duas  peculiaridades mais comuns, que torna o diagnostico mais desafiador:

  1. O Transtorno depressivo pode se apresentar de forma genérica, com queixas inespecíficas como: dores difusas pelo corpo, queixas gastrointestinais diversas (dor abdominal, constipação intestinal, epigastralgia), tonteiras, perda do equilíbrio, mal estar inespecífico, dificuldades em memória e atenção, fadiga, perda da esperança, além de sintomas conhecidos nos critérios diagnósticos de depressão como perda de peso, alterações no sono e dentificação motora. Em muitas situações, o idoso pode não trazer de forma espontânea a queixa de tristeza.
  2. Várias doenças clinicas, que acometem os idosos (insuficiência cardíaca, diabetes entre tantas outras), podem apresentar sintomas parecidos com os listados acima, dificultando ainda mais a presença concomitante  da depressão. Existe também um relação direta entre doenças clínicas X depressão, em que as comorbidades clínicas podem precipitar quadros de humor e quadros depressivos podem desestabilizar doenças clínicas.

Por ter uma apresentação diferente, com fatores de confusão associados, e também a falsa crença de que são queixas de todo o  idoso, este transtorno é gravemente  subdiagnosticado.

Quando  diagnosticado, muitas vezes é negligenciado seja no pouco  investimento do profissional pouco capacitado para lidar com essa condição específica (prescrevendo medicações por tempo e dose não adequados; não acreditando que técnicas psicoterápicas podem ser úteis, entre tantas outras condutas), ou seja,  pelas escassas políticas de saúde publica voltada para essa parcela da população.

Quadros depressivos geram perda funcional e, toda perda de funcionalidade, torna o idoso dependente para a realização de suas atividades de vida.  A dependência funcional é fator de risco para desfechos desfavoráveis como: aumento da busca por serviços de saúde, hospitalização , iatrogenias e morte.

Episódios depressivos não tratados causam profundos impactos pessoais, familiares e sociais . A depressão está entre as principais  doenças mais incapacitantes em todo o mundo, gerando agravos  funcionais em múltiplas esferas. Mas como o idoso muitas vezes já esta aposentado, sua “utilidade” na lógica da força do trabalho não se faz mais necessária e “pode” ser então deixado como não prioridade. Mas esquecemos que este impacto funcional  não envolve apenas a espera produtiva laboral, e sim um efeito cascata para toda a sociedade, causando irreparáveis desgastes emocionais, físicos, e financeiros.

Referencias bibliográficas :

DSM 5 – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 5 edição

Doenças incapacitantes , 2019 OMS – Organização mundial de saúde

Aprahamian I, Cerejeira J; Psiquiatria Geriatrica

A que vem o luto?

O que é isso, “ficar de luto”? O luto sempre inclui a dor? Não seria possível passar pela morte de um outro sem dor, sem luto? Afinal, a que vem o luto?

* Por Vívian Hauck

“Não é mais possível negar a morte; temos de crer nela. As pessoas morrem de fato, e não mais isoladamente, mas em grande número, às vezes dezenas de milhares num dia só. Isso já não é acaso.”.

– Freud, em “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” de 1915.

 

Freud, em seu texto “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” (1915), pontua que, apesar de muitas vezes discursarmos sobre como a morte é parte natural da vida, fazemos na verdade todo o possível para afastarmos esta possibilidade da consciência. E, quando acontece, diz ele, a morte nos atinge profundamente. O que é que sucede, então, aos viventes? Àqueles que ficam? Não com surpresa, imagino, muitos de nós responderíamos que “ficamos de luto”. Mas o que é isso, “ficar de luto”? O luto sempre inclui a dor? Não seria possível passar pela morte de um outro sem dor, sem luto? Afinal, a que vem o luto?

Em seu trabalho “Luto e melancolia” (1917 [1915]), Freud define o luto como “a reação à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria, liberdade, um ideal etc.” (p.172). Essa reação implicaria na perda de interesse pelo mundo externo, na perda da capacidade de investimento em um novo objeto de amor e o afastamento de tudo aquilo que não tenha ligação com a lembrança daquele(a) que faleceu ou daquilo que se perdeu. Uma reação, segundo ele, que poderia ser caracterizada como dolorosa.

Por trás de uma sintomatologia mais visível, haveria um trabalho psíquico árduo sendo realizado no sentido de que este sujeito, o que ficou, possa minimamente seguir na vida fazendo novos investimentos e outras ligações afetivas. Para que essas novas conexões possam acontecer, porém, é preciso, primeiramente, que sejam retirados os investimentos antes feitos em direção àquele que agora já não está aqui. E este desligamento, essa retirada, não pode ocorrer de uma vez só. É realizado aos poucos, com grande investimento de tempo e energia. Só então seria possível seguir. O luto, diz Freud, ofereceria ao Eu “o prêmio de continuar vivo”.

Atravessamos atualmente um período duro no Brasil em decorrência dos efeitos da pandemia. Um período de notícias diárias com contagem de mortes que ultrapassam a casa dos mil e que são apenas minimamente aliviadas com a esperança nas vacinas e na aposta de que em algum momento todo esse horror – porque é, sim, um horror – irá acabar. Enquanto isso, muitos são os que perdem entes queridos e muitas as notícias que não nos deixam esquecer a possibilidade da morte. Uma realidade que convoca o luto pelas vidas perdidas e o luto também por aquilo que vivíamos e que já não mais existirá.

Estamos vivendo esse luto? Estamos possibilitando que esse trabalho psíquico aconteça? Ou estamos fingindo que os números são só números e não vidas perdidas? Fingindo para poder continuar, para manter a engrenagem em pleno funcionamento? Claro, talvez não seja possível parar a vida completamente, mas até quando essa engrenagem dura se não abrirmos algum espaço para o luto? Será que não vale a pena fazer esse trabalho para que possamos continuar, de fato, vivos?

 

 

“Suportar a vida continua a ser o primeiro dever dos vivos. […]

Se queres aguentar a vida, prepara-te para a morte”

– Freud, novamente, em “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” de 1915.