Janeiro Branco: O sentido da vida

Vale destacar que a felicidade não é o resultado de uma fórmula. Também não se resume a uma vida livre de frustrações e de momentos de sofrimento.

* Por Sabrina Gomes

A campanha “Janeiro Branco” faz um importante convite para a reflexão sobre o cuidado em saúde mental. Uma das contribuições desta proposta está em direcionar nossa atenção para as possibilidades de investimento em ações de prevenção ao adoecimento mental e de promoção de comportamentos que possam nos aproximar de uma vida mais feliz.

Muitas são as propostas que apresentam a felicidade como um alvo a ser perseguido. São muito comuns as publicações que oferecem o “passo a passo” para a felicidade. No entanto, contrariando esta concepção, quero apresentar a introdução a uma visão diferente de felicidade, a qual pode contribuir para o processo pessoal de desenvolvimento de cada um dos interessados em seguir com essa leitura.

Primeiramente, por mais que possa parecer óbvio, vale destacar que a felicidade não é o resultado de uma fórmula. Também não se resume a uma vida livre de frustrações e de momentos de sofrimento. Devemos considerar que o processo de busca por uma vida feliz é único, individual, o que torna impossível a ideia de um percurso único a ser trilhado por todos. Além disso, ao invés de negarmos nossas limitações e inseguranças, o caminho é o investimento na capacidade de lidarmos com as adversidades e com os momentos de angústia, uma vez que são inevitáveis.

Viktor Frankl, um psiquiatra e neurologista que se dedicou a estudar e observar o comportamento das pessoas, pode nos ajudar a compreender a vida de uma maneira bem interessante. Ele percebeu que a busca por sentido está no centro da vida humana. Para Frankl, a busca por um sentido de vida representa a principal força motivadora humana, sendo a felicidade um dos efeitos colaterais deste investimento. E há um ponto muito importante: o caminho para o sentido da vida está em amarrar nossas escolhas com um propósito e todos podemos fazer isso!

Frankl concluiu seu pensamento observando pessoas que estiveram como prisioneiras em campos de concentração e que encontraram, mesmo imersas em uma condição de intenso sofrimento, um sentido para permanecerem vivas. E ainda há um ponto fundamental nesta investigação: Frankl também foi prisioneiro em alguns campos de concentração, vivendo na pele a experiência (você pode ter acesso aos registros no livro “Em busca de sentido” –  vale a leitura).

Com esta breve reflexão de início de ano, neste mês especial para a Saúde Mental, o convite está feito: que você possa investir tempo na construção cuidadosa de um projeto de vida autêntico e que evite distrações que te distanciem daquilo que represente um sentido de vida para você. É importante lembrar que esse pode ser um caminho complexo em alguns momentos, e que pode ser muito positivo buscar a ajuda de pessoas qualificadas sempre que você julgar necessário.

 Referência

Frankl, V. E. (2013). Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração (Vol. 3). Editora Sinodal.

Saúde Mental: Integrar é preciso

Aceitar que as emoções são parte importantíssima de nossa vida pode nos trazer um estado mental mais harmônico e uma melhor saúde física.

* Por Dr. Fabrício de Oliveira

Saúde Mental: Integrar é preciso

Estados mentais subjetivos são influenciados por fatores físicos como medicamentos, exercícios e dieta. De modo inverso, uma quantidade de distúrbios físicos é influenciada por fatores psicológicos.

São muito comuns os distúrbios psicofisiológicos, nos quais o sofrimento mental persistente provoca alterações nos tecidos, o que, por sua vez, causa sintomas. Exemplos incluem cefaleias, indisposições gastrintestinais, problemas dermatológicos e dor musculoesquelética de todos os tipos.

Muitos pacientes ficam preocupados por pensarem que o profissional de saúde, ao propor uma explicação que envolva a abordagem de fatores psicológicos, indique que pensamos que a dor deles é imaginária, ou que “é tudo da minha cabeça”. Eles também podem temer ser acusados de simulação. É preciso explicar que talvez o problema  é causado por alterações no corpo e que é, em todos os sentidos, real.

Evidentemente é imperativo que antes de considerarmos que o aparecimento ou persistência de determinada alteração tenha origem ou influência de fatores psicogênicos, todos os pacientes devem passar por um exame clínico completo para excluir causas orgânicas não diagnosticadas.

Algumas pessoas podem se perguntar: “Será que esse papo de origem psicológica é verdade?”

Cada vez mais a ciência nos permite entender e comprovar a influência das emoções no corpo físico. Podemos usar a resposta de “luta-ou-fuga” para uma melhor elucidação.

Todos os mamíferos compartilham uma resposta de emergência altamente adaptativa, sofisticada e remota muitas vezes chamada de sistema de luta-ou-fuga. Quando um mamífero é ameaçado, seu sistema nervoso simpático e seu eixo hipotalâmico-pituitário-suprarrenal (HPA) são ativados, resultando em aumento de epinefrina (adrenalina) na corrente sanguínea e alterações fisiológicas correspondentes (Sapolsky, 2004).

Quase toda mudança fisiológica ocasionada por esse sistema pode causar ou exacerbar um sintoma relacionado a estresse se o sistema permanecer continuamente ativo.

Dessa forma, o organismo pode manifestar uma vulnerabilidade à sobrecarga psicológica e/ou fisiológica que, quando persistente, causa desgastes orgânicos, originando doenças.

Visto que esses distúrbios são com frequência mantidos por uma combinação de fatores médicos, psicológicos e comportamentais, se faz necessário desenvolver intervenções integradas, flexíveis, que tentam tratar todos esses elementos.

Os estressores psicossociais, como o trauma interpessoal, podem ter efeitos biológicos profundos ao alterarem o funcionamento do cérebro. Ademais, pensar na psicoterapia como um tratamento para “transtornos com base psicológica” e em medicamentos como um tratamento para “transtornos biológicos ou cerebrais” é uma distinção ilusória. O impacto da psicoterapia sobre o cérebro está bem estabelecido (ver Gabbard, 2000).

Os achados da neurobiologia vêm aumentando o entendimento sobre psicoterapia nos últimos anos. Um breve panorama desses achados evidencia o fato de que a psicoterapia tem um impacto importante sobre o cérebro e não pode ser desprezada como um mero “apoio” ou uma tranquilização afável.

A combinação de psicoterapia e farmacoterapia é cada vez mais comum, conforme se acumulam evidências de que muitas condições respondem melhor ao tratamento combinado do que a apenas uma das modalidades isoladamente (Gabbard e Kay, 2001). Visto que ambos os tratamentos afetam o cérebro, em um sentido bastante real, os dois são intervenções biológicas. Entretanto, os mecanismos de ação dos dois tratamentos podem ocorrer em áreas muito diferentes do cérebro.

Aceitar que as emoções são parte importantíssima de nossa vida pode nos trazer, não só um estado mental mais harmônico, mas também uma melhor saúde física.

Um novo ano, folhas em branco pela frente.

Caso você pudesse escolher, reconhecendo com gentileza tudo o que representa o seu ontem, como você gostaria de escrever o seu dia de amanhã?

* Por Dr. Leonardo Martins

Um novo ano, folhas em branco pela frente.

Caso você pudesse escolher, reconhecendo com gentileza tudo o que representa o seu ontem, como você gostaria de escrever hoje o seu dia de amanhã? O que lhe impede neste momento de seguir na direção daquilo que de fato importa em sua vida?

Janeiro Branco

Neste mês ocorre uma das principais campanhas de conscientização sobre saúde mental no Brasil. Os seus idealizadores nomearam esse movimento como “Janeiro Branco”, inspirados por outras campanhas, tal como o “Outubro Rosa” em que o tema é a conscientização sobre o câncer de mama.
A escolha exata do mês e da cor branca faz referência a sensação que alguns de nós temos ao começarmos um ano novo. Em janeiro temos pela frente todos os demais dias do ano em branco. Diante desta imagem, ao pensarmos nos dias que virão como folhas de papel em branco, é natural que surja o desejo de escrevermos nas próximas páginas uma nova história. Resoluções de ano novo, promessas de mudança, o compromisso com novos sonhos ou mesmo a retomada do que deixamos para traz são temas comuns nesse âmbito.

Todo o tipo de esperança pode emergir quando percebemos que nossa história ainda está por ser escrita. Quando esta está conectada de forma íntima e sincera com tudo aquilo que de fato nos importa, daqui muitas vezes emerge o próprio sentido para vida. Geralmente, guardamos aqui o que não abrimos mão mesmo no contexto das maiores adversidades, as coisas ou modos de viver pelos quais nós lutaríamos nossas maiores batalhas. Seguir na direção do que importa e daquilo que nos traz sentido produz um movimento que nos dá geralmente a sensação de vivermos uma vida que vale a pena ser vivida.

É fato que o momento e o contexto em que vivemos impacta sobremaneira a chance de termos esperança e de seguirmos na direção de dias melhores. Diversos fatores são importantes para que isso ocorra de modo natural e alguns deles podem estar ausentes ou mesmo depender de coisas que não estão no nosso controle. Ainda assim, temos o direito de escolher a maneira como desejamos passar pela vida, como lidamos com aquilo que está fora do nosso controle e como lidamos com aquilo que está em nossas mãos. Fazer esse movimento, ainda que na adversidade, nos faz seguir por uma jornada em direção à uma vida valorada e com sentido. Folhas em branco, escritas com a tinta do que importa, passam a versar hoje sobre a vida que buscaremos viver hoje e que fala do que buscamos para amanhã. Saúde mental, neste sentido, não fala sobre um estado interno individual, mas sim da nossa potência como indivíduos e sociedade de aprendermos como nosso passado e de assim nos movimentarmos no presente em direção aos dias que gostaríamos de viver no futuro. Não é raro que o oposto à saúde mental represente justamente a repetição do ontem, o medo do amanhã que nos paralisa ou mesmo a sensação de estarmos presos em uma história ou modo de viver que já não nos cabe mais.

A campanha “Janeiro Branco” nos lembra que independente da história que vivemos, temos hoje um amanhã em branco pela frente; e que este pode ser preenchido por uma vida possa valer a pena ser vivida. O “Janeiro Branco” nos alerta sobretudo de que quando esse movimento não nos é possível, talvez seja a hora de não só pensarmos sobre isso, mas hora de insistirmos em seguir por uma nova direção, como indivíduos ou sociedade, e com a devida ajuda caso necessário for.

Eu sou o diagnóstico ou estou o diagnóstico?

Na verdade, nem um e nem outro. A intenção é chamar atenção para o que e para quem é importante o diagnóstico em Saúde Mental.

* Por Diana Lopes

Eu sou o diagnóstico ou estou o diagnóstico?

Na verdade, nem um e nem outro. A experiência de ser e estar é muito mais ampla do que qualquer tipo de categorização.

Com o avanço da ciência médica e com os recursos diagnósticos cada vez mais precisos, a prática clínica ganhou suporte e opções de tratamentos mais eficazes e eficientes. E assim, o diagnóstico se tornou cada vez mais central no tratamento de diversas doenças.

E em saúde mental, qual será o lugar do diagnóstico?

Assistimos ao longo dos anos uma sociedade mais atenta aos enquadramentos psíquicos. Em uma busca rápida em sites para esta finalidade, facilmente encontramos testes  e informações que verificam em  quais categorias de transtorno as pessoas com determinadas características pertencem.

É um movimento controverso, uma vez que se por um lado o acesso à informação pode ser uma via de esclarecimento, reconhecimento e busca por um tratamento adequado, por outro lado pode decorrer em banalização diagnóstica tanto por parte das pessoas de um modo geral como por parte de profissionais.

Longe de querer esgotar neste texto um assunto que envolve um nível alto de complexidade, a intenção é chamar atenção para o que e para quem é importante o diagnóstico em Saúde Mental. Para isto devemos partir da concepção de que a condição humana é marcada por uma gama de aspectos que se traduzem na experiência de viver e no modo como nos relacionamos com o mundo. Isto nos leva a considerar que todos os modos de existir são legítimos porque são formas de viabilizar a própria existência. Por isso o diagnóstico não poderia ter este papel tão central e generalizado como podemos constatar nos últimos anos. O diagnóstico serve de referência para o profissional guiar sua conduta clínica, mas está longe de traduzir precisamente quem é uma pessoa.

E como consequência dessa ênfase no diagnóstico, podemos constatar com alguma frequência pessoas e profissionais buscando tratamentos para sentimentos comuns. Por exemplo, a tristeza, o sofrimento após um luto, uma separação tem levado pessoas a buscar medicamentos ou enquadramento em uma psicopatologia para a “cura” de eventos que fazem parte da dinâmica da vida. Ou quando um problema coletivo como a educação brasileira, por exemplo, é transformado em um problema pessoal, quando diagnosticamos uma criança em algum transtorno mental por apresentar um comportamento que foge ao esperado pela normativa.

Allen Frances, que dirigiu o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico) durante anos, em entrevista ao “El País”,  mostrou preocupação em relação a esta tendência de epidemia de diagnósticos. Para ele seres humanos são maleáveis e capazes de se adaptar em condições muito adversas. Ainda se fala pouco sobre esse assunto no Brasil que atinge o mundo inteiro. Aqueles que tentam abordar este tema podem ser desqualificados inclusive pela comunidade acadêmica mesmo sabendo que a ciência só se avança pelo questionamento.

Claro que estamos passando por um momento jamais antes vivido e com isto lidamos com sentimentos intensos da esfera mais íntima às experiências coletivas. Diante do desconhecido, da morte iminente, de ter nossa autonomia capturada pela pandemia, do isolamento social, da crise socioeconômica, de ficar longe de quem amamos e ter nossa vida completamente revirada, somos impactados significativamente em nossa experiência de ser e de estar. E reagimos naturalmente a isto. Mas será que tudo deve ser patologizado?

É neste momento que precisamos buscar entender o que acontece e de que modo isto nos impacta, e junto com profissionais sérios e qualificados buscar modos de superação. A busca frenética e cega por diagnósticos pode aprisionar uma existência sem resolver o problema realmente. Tanto pacientes quanto profissionais deveriam buscar a compreensão do modo como funcionamos, de como nos organizamos e estabelecemos relação com o mundo, o que pode ser a saída fundamental para a melhora e avanço na qualidade de vida, pois somos e podemos muito mais do que mostramos superficialmente .