* Por Prof. Dr. Leonardo Martins
Ser psicólogo me ensinou a acreditar no potencial que existe dentro de cada um de nós. O que implica em reconhecer com consciência, amor e coragem, que junto de nossos melhores ou piores momentos, sempre temos um convite para seguirmos em direção à melhor versão de nós mesmos. A história de cada um, junto do contexto atual a que estamos submetidos, invariavelmente faz com que obstáculos em nosso caminho diminuam a clareza com que enxergarmos nossa própria potência. Ainda assim, mesmo diante deste véu que surge frente aos obstáculos que nos limitam, sempre será possível que a angústia resultante nos convide a desafiar o que parece sem solução – seja mudando por completo nossa direção, seja aceitando de forma compreensiva que alguns limites podem fazer parte de nossa história, sem que isso remova a possibilidade de seguirmos adiante.
Um guia que se mostra sempre à mão diante deste convite surge da imagem que cada que podemos construir ao pensarmos cuidadosamente sobre uma vida que possa valer à pena ser vivida. Do lugar em que nos encontramos, até os arredores deste lugar que desejamos chegar, uma série de possibilidades emergem, ainda que em meio a um sem fim de obstáculos e incertezas. Não é raro desejarmos uma linha reta, direta e sem interrupções que seguiria de onde estamos até onde queremos chegar. Apesar de ser válido desejarmos que nossas vidas sejam assim, poucas histórias seguem essa linearidade. Atalhos impensados, curvas, serras, descidas e subidas tornam-se muitas vezes as únicas opções disponíveis para seguirmos em frente. Não é raro ainda que voltar ao começo ou seguir na direção que parece contrária, possa ser na verdade nossa única forma de seguirmos mais adiante. Até mesmo esperar parado por um tempo, pode ser o mais sensato para nos recuperarmos e irmos adiante.
Com maior ou menor clareza, e a depender de como estão os dias, é bem assim que vejo uma parte da vida. Partimos de algum lugar que não conhecemos tão bem quanto gostaríamos, e seguimos para algum outro que por mais difícil que seja acreditarmos, estará sempre aberto em possibilidades. O caminho que fizemos é o que caminho que caminhamos; e guarda nossas dores e delícias, ambas em proporções particulares e nem sempre tão bem divididas quanto gostaríamos. Assim seguimos, carregando em nós um pouco destes lugares em que passamos. Ao seguir também guardamos sempre em potência a possibilidade dos lugares por onde ousaremos passar.
Dessa forma, conectando cada um destes lugares visitados e por visitar, vamos vendo a trajetória que escolhemos ou que nos foi imposta contingências que não prevíamos. Ao olhar onde estamos, vemos vestígios de onde passamos e o vislumbre da direção e sentido que podemos buscar. Não é raro que deste esforço consciente surjam uma multiplicidade de possibilidades, algumas mais reais do que as outras, mas todas compartilhando a essência que guarda cada destino possível. A cada caminho escolhido por mais beleza que possamos encontrar, temos que lidar sempre com o fato de termos renunciado a tantos outros. Não é raro que a nossa história e nosso contexto atual nos faça refletir sobre o assunto, colocando à mesa as possibilidades perdidas ou múltiplos das que podem ainda ser vividas. Raramente este exercício é por si só bem-sucedido, é o comum que o múltiplo do possível ou do deixado para traz possa nos fazer sentir sem rumo na estrada. Ao nos depararmos com esta sensação, é comum que fiquemos paralisados, que ignoremos a questão ou que sigamos por um caminho que não era de fato nosso. Como consequência, ao invés de resolvermos o que nos aflige, mais hora menos hora a ausência de sentido grita por meio do desânimo, da falta de motivação, ansiedade, compulsões e outras manifestações que se dão no corpo e na mente.
É difícil saber a razão ou o momento exato, mas como psicólogo invariavelmente meu caminho se cruza com alguém que está experimentando um desafio nesta caminhada que vai de onde estamos para onde queremos chegar. Cada qual, diante de sua história única, busca algo que é por princípio especial. Às vezes, uma intenção é encontrar uma direção mais clara, por vezes o objetivo é buscar uma direção menos óbvia. Por outros momentos é voltar pelo caminho já conhecido, mas talvez com um novo ritmo, passando pelas dificuldades que negligenciamos. Independente do motivo ou do desafio, acreditar no potencial de desenvolvimento inerente a cada um de nós me ensinou que de um ponto ao outro, seja da forma que for, sempre será possível buscarmos um sentido e um ritmo que nos leva pela a estrada de uma vida que possa valer a pena.
Por falar no assunto, uma vida que vale à pena ser vivida, por mais que seja planejada e que receba toda nossa atenção e esforço, invariavelmente apresentará barreiras, obstáculos, perdas ou mesmo paisagens que não gostaríamos de ter presenciado. Muitos destes desafios estão completamente fora de nosso controle, tal como fatalidades ou mesmo a pandemia que vivemos em 2020. A clareza em estarmos seguindo de forma coerente com nossos valores e com o que de fato nos importa, não elimina muitos destes obstáculos, mas pode fazer com que cada um destes desafios seja tomado diante do tamanho que possuem, mas sobretudo como parte de nossas histórias e não como pontos finais. Nesse sentido, descobrir nossa potência envolve por vezes aceitar tais condição e limites para seguirmos em frente. A sabedoria em aceitar o que não podemos mudar e o que está fora de nosso controle, não elimina a dor de uma perda ou seus prejuízos, mas nos liberta para seguirmos em frente ao invés de seguirmos paralisados tentando mover do caminho uma montanha que lá sempre esteve e que por lá sempre permanecerá. Despertar potência é reconhecer tal montanha e mover-se apesar dela. Aqui não se trata de um otimismo ingênuo, mas talvez exatamente o contrário disso. Trata-se de perdermos a esperança em resolver nossos destinos insistindo nas soluções ou caminhos que não nos tem ajudado, para então seguirmos em direção a uma nova alternativa.
No dia do psicólogo(a), meu depoimento atravessa o caminho deste texto, que por sua vez atravessa parte dos caminhos que percorro em meu exercício profissional ao lado de quem acompanho. Para terminar, reforço o convite cotidiano que Proust nos faz e que costumo refazer aos meus pacientes, clientes, supervisandos, alunos de mestrado e doutorado. O convite considera tudo que já escrevi acima, mas reconhece que o início da verdadeira viagem de descobrimento não precisa começar pela busca de caminhos ou paisagens ainda não vistos, mas sim por vermos a nós mesmos com novos olhos. A minha profissão pode ser descrita de diferentes maneiras e constituir-se de um sem fim de intervenções baseadas no melhor conhecimento disponível, mas confesso que quase sempre começo por esse convite e sigo por essa história.